Alertas do BdP devem ser ‘levados a sério’

O Banco de Portugal anunciou os principais riscos e vulnerabilidades financeiras. Especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL comentam estes riscos e analisam as previsões do FMI.

Alertas do BdP devem ser ‘levados a sério’

O Banco de Portugal avançou esta semana com os principais riscos e vulnerabilidades para a estabilidade financeira. Além do potencial incumprimento das famílias ou empresas mais vulneráveis, o destaque vai para a turbulência acrescida nos mercados financeiros internacionais, uma trajetória menos favorável para o rácio da dívida pública, entre outras.

Numa análise aos avisos do Banco de Portugal, Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, explica que o abrandamento económico e o aumento das taxas de juro «são uma ameaça à deterioração das contas públicas, podendo dificultar a descida do rácio da dívida e aumentar o prémio a pagar pela dívida nacional». Mas também o endividamento das famílias, a baixa poupança e o crédito à habitação com taxa variável «são uma preocupação». O economista avança ainda que «a persistência da inflação em níveis elevados e a alta dos juros, associados a uma eventual evolução adversa da taxa de desemprego, deteriora o rendimento disponível das famílias, podendo culminar em incumprimentos» e que um menor crescimento económico e o aumento dos juros «poderá penalizar as empresas mais endividadas e mais expostas a taxas de juro variáveis, podendo resultar em incumprimento de crédito das empresas mais vulneráveis». 

Já Henrique Tomé e Vítor Madeira, analistas da XTB, dizem que estes riscos mencionados pelo BdP «não são novidade». E acrescentam: «Concordamos e pensamos que já deveriam ter sido alertados, dado que a escalada da inflação já começou há mais de 1 ano e estes riscos já eram conhecidos pela maior parte dos economistas».
Riscos que os analistas consideram que devem ser levados a sério «e estar principalmente atentos ao crédito às famílias e empresas e ao facto dos preços da habitação poderem começar a descer».

Alerta ainda: «Temos que ter noção que em períodos de grande inflação é normal que os bancos centrais sejam obrigados a disparar as taxas de juro, desta forma a taxa de juro vai ter impacto negativo principalmente nas famílias e empresas mais endividadas com taxas variáveis». A situação despoleta incumprimentos dos créditos «e põe os bancos em situações desfavoráveis, se a isto acrescentarmos a queda nos preços da habitação que poderá acontecer, cria um problema acrescido para os bancos e famílias, vejamos que pode haver famílias que têm montantes de dívida superior ao valor das casas adquiridas e em simultâneo em caso de incumprimento os bancos podem não conseguir reaver o seu dinheiro emprestado, isto poderia causar um problema grave em toda a economia».

Como minimizar?

Questionado sobre como é possível minimizar estes riscos, Paulo Rosa diz que «maturidades mais longas do stock de dívida pública e o mecanismo de ‘antifragmentação’ do BCE mitigam em parte as dificuldades das contas públicas diante de taxas de juro mais elevadas». Já no que diz respeito às famílias, «a poupança acumulada durante a pandemia e apoios governamentais poderão mitigar as dificuldades das famílias mais vulneráveis, nomeadamente daquelas com rácios de endividamento mais elevados associados a rendimentos mais baixos». Quanto às empresas, «reservas de liquidez acumulada durante a pandemia e apoios governamentais podem diminuir as dificuldades» das mais vulneráveis.

Para os analistas da XTB é claro que os bancos «devem estar mais atentos e sinalizar todos aqueles que correm riscos de incumprimento o mais rápido possível», devendo «dificultar o crédito e empresas e famílias que não tenham capacidades robustas de pagar com as suas obrigações». Ainda assim, os responsáveis consideram que «a minimização do risco já deveria ter sido feita, nesta altura já estamos numa situação avançada do estado das taxas de juro».

Os bons indicadores do FMI

Ainda esta semana, as novas previsões do Artigo IV sobre Portugal, o estudo anual elaborado pela missão do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostram que a economia deve crescer 2,6%, previsão que supera em muito todas as outras feitas mais recentemente, inclusive a do Governo, que em abril, no Programa de Estabilidade, disse estar à espera de 1,8%. Portugal está então no bom caminho? «O FMI realça sobretudo a melhoria das contas externas, nomeadamente a robustez e o crescente contributo do turismo para uma melhoria do PIB português», aponta Paulo Rosa.

Sobre se o FMI não terá sido demasiado otimista, diz que «não parece, pelo menos nos próximos tempos». E as justificações são muitas. «A dinâmica positiva do setor turismo e o aumento da população empregada, já muito perto dos 5 milhões de trabalhadores, mantêm a resiliência da economia portuguesa, tendo permitido revisões em alta do crescimento do PIB real para 2023 tanto pelo executivo português como por diversas instituições nacionais e internacionais».

O economista lembra ainda que no primeiro trimestre de 2023, o PIB real (em volume) aumentou em cadeia 1,6%, ou seja, de 52.852 milhões de euros no último trimestre de 2022 para 53.700 milhões de euros no primeiro trimestre deste ano. «Assim, mesmo que a riqueza produzida nos restantes três trimestres tenha um crescimento nulo, uma alta do PIB de pelo menos 1% em 2023 já estaria garantida, em grande parte empurrada não só pelo aumento da população empregada, mas também pelo turismo, devendo este intensificar-se nos meses de verão».

Paulo Rosa recorda também que «as contas externas melhoram gradualmente, impulsionadas pelas exportações, sobretudo pelo maior contributo do turismo, esperando-se que as importações abrandem à medida que o rendimento disponível se deteriora, penalizado pela elevada inflação e pela subida das taxas de juro».

Mas há fatores de risco e espera-se um crescimento económico «anémico nos próximos anos, uma tendência das economias avançadas».

Ainda assim, é bem provável que o setor do turismo «continue a mostrar a resiliência nos próximos anos, impulsionando a economia portuguesa, mas é um erro alicerçar uma economia num setor exclusivamente de serviços centrado na movimentação das pessoas, mesmo que este seja competitivo extra-preço», alerta o economista, defendendo que «a dependência do turismo mostrou bem a fragilidade da economia portuguesa aquando da pandemia e consequente distanciamento social».

A economia portuguesa, considera, «deveria focar-se na produção de bens e serviços mais competitivos extra-preço e menos dependentes de um maior ou menor distanciamento social».

Por último, Henrique Tomé e Vítor Madeira dizem que «temos que olhar para os dados anteriores». E explicam porquê: «São bons indicadores, mas temos que ver que Portugal está a ter um desempenho com lag em relação aos outros países. Enquanto os outros estiveram a crescer forte logo após a pandemia, nós estávamos ainda ‘parados’, agora os outros começam a sentir o peso das taxas de juro e do abrandamento macroeconómico e nós estamos ‘fortes’». O ideal, na opinião dos analistas, «seria manter estes níveis por mais tempo, aí sim estaríamos no bom caminho, neste momento não podemos cantar vitória». É que, nos tempos em que vivemos, «a imprevisibilidade em relação ao futuro é grande, sendo que existe sempre a possibilidade de que estas alterações aconteçam».