Desejos para 2024

A paz no mundo, a salvação do SNS, a diminuição das rendas e da inflação ou muita saudinha, são desejos mais razoáveis. Mas este ano excedi-me e pedi educação para os meus filhos. Se tudo correr bem para o ano pedirei o impossível: que eles arrumem a loiça e despejem o lixo por iniciática própria.

Aquilo das passas corre-me sempre mal. Não sei se é de mim ou das passas, mas tenho a nítida impressão de que estão cada vez maiores. E os 12 segundos não chegam para engolir 12 e pedir 12 desejos ao mesmo tempo. As passas são como as frutas cristalizadas do bolo rei, ninguém gosta delas mas teimosamente mantemos a tradição. Além de que nunca tive imaginação para desejos. Desejo sempre que não aconteçam desgraças e despacho o assunto em 12 segundos: é um desejo que peço 12 vezes. Só que as desgraças teimam em acontecer, seja no mundo, nas vidas dos meus amigos ou familiares, ou dos amigos dos amigos. Concluí que reclamar o fim das desgraças do meu universo é um desejo infantil igual ao de uma criança quando pede para ser o Ronaldo ou campeão de Fórmula 1. Por isso, este ano mudei de estratégia. Fiquei vários minutos a engolir as passas e a perder tempo com cada uma. Deixei a saúde e as dietas nas mãos de Deus e atirei-me a desejos concretos e prosaicos que dependem de mim, da minha firmeza e persistência. Vai daí dediquei os meus pedidos a pequenas transformações que pretendo fazer na vida dos meus filhos e desejei que 2024 seja o ano em que irei finalmente educar os meus filhos. Mais vale tarde do que nunca e o mundo, ao que tudo indica, está por um fio. 

O primeiro desejo foi que cada um deles passe a fazer a cama todos os dias como deve ser: esticar os lençóis, alisar o edredom e sacudir. O segundo foi que eles comecem a depositar a roupa suja no cesto da roupa suja e não no chão ao lado do cesto da roupa suja. O terceiro foi que arrumem a roupa nas gavetas e sempre que o fizerem não a desdobrarem. O quarto foi que tapem o leite e o arrumem no frigorífico depois de se servirem (expeto os pacotes vazios). O quinto foi que não me peçam dinheiro para além das mesadas e que o Espírito Santo me dê força para que eu não ceda cada vez que isso acontece. O sexto foi que passem a ser eles a apanhar os cocós do cão. O sétimo foi que pelo menos um deles tenha a preocupação de substituir o rolo de papel higiénico sempre que acaba. O oitavo foi que não deixem ficar durante semanas ou meses os frascos de champô e gel de banho vazios na banheira. O nono foi que pendurem as tolhas de banho no toalheiro para secarem e não em cima das camas e que só esteja uma toalha a uso por cada um. O décimo foi que apaguem as luzes cada vez que saem dos quartos ou da casa de banho, da cozinha ou de outro sítio qualquer onde não esteja ninguém. O décimo primeiro foi que demorem metade do tempo a tomar banho. Por último, desejei com muita força que eles passem a fechar a torneira enquanto escovam os dentes. 

Sei bem que desejar a paz no mundo, o fim das calamidades provocadas pelas alterações climáticas  (assim como o fim das próprias alterações climáticas), a salvação do SNS e do sistema de Educação, a eleição de um governo com juízo, a diminuição das rendas, das taxas de juro e da inflação ou muita saudinha, são desejos mais razoáveis. Mas este ano excedi-me nas minhas ambições. E se tudo correr bem para o ano irei pedir o impossível: que eles arrumem a loiça e despejem o lixo por iniciativa própria.