O principal ponto da argumentação jurídica é a ilegalidade dos chamados custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) – acordados entre o Estado e a EDP, que estabelecem compensações pela actividade das centrais térmicas. Embora o Governo tenha já aplicado dois pacotes de cortes nas rendas de energia e esteja a planear agora o terceiro, os subscritores da carta alertam que estes contratos se mantêm intocados, aumentando a margem da EDP e os preços finais pagos pelos consumidores.
Compensações de Pinho ‘pornográficas’
Estes instrumentos foram impulsionados em 2007 pelo então ministro socialista da Economia, Manuel Pinho, que os subscritores da carta acusam de favorecer a EDP. “Há uma taxa de rentabilidade escandalosa de 15% para a empresa”, acusa Mira Amaral, o primeiro subscritor e antigo ministro da Indústria e Energia, em declarações ao SOL, classificando as compensações dos CMEC de “pornográficas”.
Como avançou o jornal i esta semana, Mira Amaral e outras 17 personalidades – entre as quais os empresários Henrique Neto, Alexandre Patrício Gouveia, Pedro Pena da Silva e Clemente Pedro Nunes, bem como o ex-secretário de Estado Henrique Gomes – enviaram um extenso rol de argumentos técnicos para cortar os custos do sector eléctrico imputados ao consumidor através das facturas.
“Sinceramente, não esperamos resposta do primeiro-ministro”, diz Mira Amaral. E embora haja ainda uma queixa pendente na Comissão Europeia, enviada por alguns dos elementos do grupo dos 18, o próximo passo deverá ser o recurso ao TJE. Os signatários vão alegar uma violação do artigo 107 do Tratado Europeu, relativo a auxílios concedidos pelos Estados-membros.
Contactado pelo SOL, Henrique Neto garante que os signatários vão “até onde for necessário”. O empresário considera que em Portugal se recorre muito pouco à instância judicial para resolver este género de situações. “Nos EUA já houve vários processos, até da área da energia, e cerca de 50% foram resolvidos”. E alerta que as rendas que a EDP recebe do Governo são ainda mais escandalosas, tendo em conta que os lucros da energética têm sido investidos fortemente nos EUA e não em Portugal.
Henrique Gomes, por seu turno, admite que o problema desta situação “não é só a EDP” e que as renováveis estão também “totalmente protegidas” e representam encargos acrescidos para os clientes. O ex-secretário de Estado da Energia defendeu no início da legislatura cortes mais ambiciosos no sector eléctrico, mas nos últimos meses do seu mandato já havia sinais de ruptura com colegas de Governo e com os interesses da EDP. Apresentou a demissão em 2012.
O exemplo de Espanha
Para o grupo de empresários, o Governo teria de ser mais drástico na redução de custos no sector – seguindo o exemplo do que está a ser feito em Espanha, onde os cortes nas rendas superaram os 20 mil milhões de euros. Em Portugal, o Executivo está a ultimar o terceiro pacote de cortes no sector energético, que inclui a definição de um valor de referência para o gás de botija, o alargamento da tarifa social de electricidade de 60 mil para 500 mil famílias e o reequilíbrio do contrato de serviço público de aquisição entre o Estado e a Galp. Os cortes realizados desde 2012 atingem 4,4 mil milhões de euros.
Os autores da carta avisam que as medidas tomadas não chegam para baixar os preços. Este terceiro pacote é uma “manobra de diversão”, com o intuito de “fazer esquecer as eólicas e os CMEC”, acusa Mira Amaral.
Mas há quem duvide da possibilidade de mais cortes no sector, como Carlos Zorrinho. O ex-secretário de Estado da Energia e Inovação de José Sócrates acredita que a solução pode passar por utilizar o dinheiro da contribuição solidária aplicada às empresas do sector para diminuir a factura dos consumidores.
O SOL tentou contactar o ex-ministro Manuel Pinho, sem sucesso. A EDP não quis comentar.
*com João Madeira e Margarida Davim