Pedro Nuno Santos: ‘Nós não temos nenhum problema com Sócrates’

Membro do núcleo político de Costa, diz que as diferenças para Seguro estão sobretudo na capacidade de liderar. Descarta um bloco central e elogia políticas socráticas.

Nota: Esta entrevista foi originalmente publicada na edição de 12 de Junho do SOL

António Costa não falou do Tratado Orçamental na apresentação oficial da campanha. Foi lapso?

Não foi, de certeza. É uma matéria à qual ele dá importância. António Costa tem uma posição bem mais crítica em relação ao Tratado Orçamental do que a posição oficial do PS.

O que deve fazer o PS em relação ao Tratado Orçamental?

Acho que deve ser respeitado na medida em que não obrigue o Estado a desrespeitar os compromissos com o povo português. O Tratado Orçamental não pode pôr em causa o compromisso que o Estado tem com os seus trabalhadores, com os pensionistas, com o povo. Este compromisso deve ser honrado em primeiro lugar.

Mas como se reduz o défice sem cortar despesa no Estado?

Cortar despesa e aumentar impostos para cumprir o défice orçamental leva a que o resultado seja o contrário do desejado. Temos de mudar o paradigma para conseguir o equilíbrio sustentável das contas públicas. Isso só se faz com políticas de crescimento económico.

António Costa, em relação à Europa, disse: «nunca mais [seremos] subservientes». Devemos contestar as metas orçamentais em Bruxelas?

Deve haver uma atitude que afirme os interesses de Portugal e não temos tido isso nos últimos anos, sem subserviência, como diz António Costa. Não é o que temos tido. O primeiro-ministro quis ir ‘para além da troika’ e duplicou a dose de austeridade que estava negociada. Precisamos de adoptar uma estratégia inteligente sem pôr em causa a participação de Portugal no projecto europeu, que garanta a Portugal liberdade para uma política diferente.

O PR apelou a entendimentos entre os partidos até ao OE. Como deve agir o PS?

O problema do país não é o PS negar-se a entendimentos com a direita. Precisamos é de mudar essa política. E essa mudança já não se vai fazer com esta maioria.

O que afinal distingue António Costa de António José Seguro nas políticas concretas?

Não temos de estar já a tentar encontrar as diferenças programáticas entre Costa e Seguro, elas acontecerão naturalmente. O principal problema do PS é um problema de liderança, é a incapacidade da liderança do PS de mobilizar o povo português para um programa alternativo. É a isto que temos de dar resposta. António Costa tem mostrado a capacidade de mobilização que a actual liderança não tem tido.

As europeias mostraram essa incapacidade?

Sim. Se, em 2011, nas últimas legislativas, tivemos uma derrota com 28%, em 2014, no estado em que o país está, só conseguimos subir 3%. Isso quer dizer que não conseguimos ganhar a confiança do povo português.

António Costa pediu uma maioria ‘forte’. O PS deve aliar-se preferencialmente à esquerda e descartar um bloco central?

Eu entendo que o PS devia construir uma maioria à esquerda. Embora o primeiro objectivo deve ser o de obter uma maioria absoluta – e António Costa tem condições para o conseguir, como as sondagens o demonstram. Mas precisamos de uma maioria que governe à esquerda e é impossível esse governo tendo como aliados o PSD e o CDS.

As primárias vão dar direito de voto a simpatizantes do PS. As candidaturas vão ‘arrebanhar simpatizantes’, como prevê, criticamente, José Sócrates?

Espero que isso não aconteça. É uma inovação importante, ao nível da participação popular, que aliás tem sido defendida também por muitos apoiantes do António Costa – eu também – há vários anos. As primárias são uma oportunidade de abrir o partido à sociedade civil.

Costa fala em renovação do PS mas tem com ele toda a ala socrática. Não há o perigo de regressar ao passado?

A ideia de que há uma ala socrática não é partilhada por mim. Agora, todos os militantes do PS são importantes e não me parece que António Costa descure nenhum, era o que faltava. Nós não temos nenhum problema com José Sócrates, foi líder do PS seis anos e fez coisas muito importantes para o país. Quanto à renovação, não tenho dúvidas de que acontecerá, essa é a história de António Costa que conseguiu sempre trazer novos quadros ao PS, como agora aconteceu ao escolher os jovens Fernando Medina e Duarte Cordeiro para a Câmara de Lisboa.

Não devia haver uma demarcação em relação a políticas erradas de Sócrates, como as PPP?

Eu defendo que o PS faça um juízo crítico sobre a governação que fez, não só com Sócrates, mas também com as outras governações socialistas, para no futuro poder fazer diferente. Pessoalmente, fui crítico sobre o modelo de PPP no financiamento das obras públicas, a desregulamentação do mercado de trabalho e de algumas privatizações. Mas é importante também afirmar as coisas boas que fizemos para modernizar a economia. José Sócrates tinha uma política industrial sem precedentes. Um exemplo: a instalação de uma rede de abastecimento eléctrico no país foi criticada por desperdício, mas foi a instalação dessa rede que capacitou a EFACEC para hoje ser um dos líderes mundiais de carregadores eléctricos.

Acredita que a movimentação nas distritais e concelhias do PS possa levar ao congresso extraordinário?

Não sei. Mas mais importante que saber se vai ou não haver um congresso extraordinário é o movimento a que estamos a assistir no PS. É um fenómeno novo, para mim. São os militantes, livremente, a mobilizarem-se para apoiar António Costa e a forçarem até os seus dirigentes a apoiar António Costa.