Passos Coelho abençoado pelo Espírito Santo!

A derrocada do BES foi – há que admitir sem rodeios – um duro golpe para a economia e para as finanças portuguesas. Os portugueses não o mereciam: o nosso povo – nós – , sobretudo os portugueses da classe média, sofreram na pele medidas duríssimas de austeridade justificadas para assegurar a sustentabilidade do nosso…

Posto isto, importa avaliar a actuação do Governo ao escândalo BES. Em primeiro lugar, não podemos deixar de lembrar que o BES era efectivamente o “banco do regime”. O sentimento de impunidade dos seus responsáveis decorria da percepção de que o GEs era maior que o próprio país: de facto, o Espírito Santo mantinha negócios em diversos países e sabia que o poder político era incapaz de afrontar o seu poder. Ricardo Salgado escolhia governantes – e dava emprego aos mesmos e a outros governantes quando cessassem o exercício das suas funções políticas. Da esquerda à direita: o líder da UGT fartou-se de elogiar Ricardo Salgado, qualificando-o como um “grande amigo dos trabalhadores”; e mesmo o PCP e o BE, nos seus discursos de ataque aos capitalistas, raramente incluíam Salgado (preferiam bater em Belmiro de Azevedo ou em Amorim). Temos, pois, que, exceptuando Marcelo Rebelo de Sousa que (pese embora ser amigo de Ricardo Salgado, o que reforça a força de carácter) criticou por diversas vezes – e sozinho! – a administração do BES, quer enquanto líder partidário, quer enquanto comentador, do PCP ao CDS, se formara uma aliança política largada pró-BES. Uma verdadeira União Nacional em torno de Ricardo Salgado. 

E é a partir desta constatação –da existência de uma União Nacional dos partidos de poder (o PCP e o BE também fazem parte do poder formal: estão representados na Assembleia da República!) – que Ricardo Salgado se convenceu de que tudo poderia fazer, até esconder contas e utilizar o dinheiro dos clientes do banco para financiar as empresas do grupo Espírito Santo. Tinha a convicção de que bastaria ligar ao Primeiro-Ministro em funções no momento da ocorrência de algum problema – e este o resolveria serenamente utilizando o dinheiro dos contribuintes. Enganou-se. Passos Coelho trocou as voltas a Ricardo Salgado. 

Nós, que já assumimos críticas públicas à acção política de Pedro Passos Coelho,elogiamos a postura de grande responsabilidade e patriótica do Primeiro-Ministro. Ao ter a coragem de declinar a “oferta” de Ricardo Salgado, Passos Coelho ficará na história como o primeiro Chefe de Governo em Portugal que ousou separar os negócios do poder político. Passos Coelho converteu uma possível tragédia numa oportunidade histórica: a de, finalmente, não meter o Estado onde não deve. Salvar uma família, por muito poderosa que seja, nunca é assunto de Estado. Doa a quem doer: ao aplicar a “doutrina Marcelo Rebelo de Sousa”, iniciada com o discurso de Marcelo a atacar a promiscuidade do Governo Guterres com as negociatas das grandes empresas privadas, havendo uma lei para os fortes e poderosos e outra para os cidadãos comuns, Passos Coelho recuperou a melhor tradição do PSD. O gene que o caracteriza e o distingue de todos os demais partidos: o reformismo e a crença de que um Governo justo não tem de ser um Governo omnipresente. Bem pelo contrário. 

Então – perguntarão alguns leitores – mas o Estado não acabou por entrar no BES, através do fundo de resolução? Responderemos no próximo texto. 

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