i) Pela primeira vez de há uns anos a esta parte, o discurso de fundo – o discurso mais marcante – da rentrée do líder do PSD foi proferida na Festa do Pontal, na segunda quinzena de Agosto, e não na Universidade de Verão, em Castelo de Vide. De facto, noutros tempos, as atenções mediáticas encontravam-se focadas na iniciativa de formação política da JSD, designadamente, no discurso de encerramento que deveria constituir o arranque de um novo ano político do PSD.
Este ano, porém, o discurso de Passos Coelho passou um pouco ao lado, merecendo menos atenções do que os oradores dos restantes dias da Universidade de Verão: pense-se, por exemplo, na intervenção de Maria Luís Albuquerque que teve um impacto superior ao de Passos Coelho. E porquê? Porque Passos Coelho, em Castelo de Vide, repetiu o discurso do Pontal. Sem nada de novo – foi um “copy and paste” do discurso no Algarve, ficando-se até com a sensação a dada altura que o assessor de Passos Coelho tinha trocado os papéis dos discursos…;
ii) Em segundo lugar, importa perceber a razão de ser da repetição do discurso de Passos Coelho. Já se percebeu que o Primeiro-Ministro tem uma estratégia clara: até à clarificação da liderança do Partido Socialista, a iniciativa política do Governo será nula. E o discurso consistirá, no essencial, na passagem da “batata quente” para o PS: as grandes reformas do Estado deverão ser realizadas com a participação do PS, convidando até Passos Coelho os socialistas para tomarem a iniciativa da reforma da Segurança Social. Já percebemos o filme todo: Passos Coelho está a forçar o Partido Socialista – nomeadamente, António Costa, que já se percebeu que será o próximo líder do PS – a tomar posição sobre as matérias governativas mais delicadas, para mostrar aos portugueses que um Governo socialista faria exactamente o mesmo que o seu Governo fez à frente dos destinos do país, nas actuais circunstâncias! Resumindo: Passos Coelho revelou ontem que a estratégia do PSD para as próximas legislativas consistirá em forçar António Costa a assumir posições e a tomar a iniciativa política – impedindo, desta forma, que chegue ao dia das eleições, numa expressão popular portuguesa que me aparece adequada para o caso, “fresquinho que nem uma alface”, leia-se, cheio de força, sem qualquer desgaste político;
iii) Importa, no entanto, frisar que esta estratégia de Passos Coelho é demasiado curta: não dá para desgastar António Costa, ao ponto de criar possibilidades políticas objectivas que permitam ao PSD lutar por uma vitória eleitoral em 2015. Esta observação parece-me evidente: um discurso de um partido que pretende continuar a governar o país por mais uma legislatura, não se pode limitar a devolver a palavra, a iniciativa política, ao partido adversário (o qual, ainda por cima, terá um novo líder, que goza de uma complacência enorme por parte da comunicação social)! O que significa, na nossa perspectiva, que o discurso de Passos Coelho prova que já não quer ganhar as eleições legislaivas de 2015 – Passos quer apenas evitar que o PS ganhe com maioria absoluta. Ou muda rapidamente de estratégia – assim que Costa seja eleito – ou Passos Coelho corre o risco de meter o PSD num “jogo” muito arriscado…
Aspectos positivos do discurso? O de reiterar a aposta do PSD em políticas de natalidade (embora já seja muito tarde, mas enfim…) – e o de introduzir na agenda política a reforma da lei da adopção, mais virada para a tutela dos direitos da criança. Muito bem: o PSD assume-se, mais uma vez, como o partido da defesa da Família (ou, melhor, das “famílias”, porque hoje há várias realidades familiares) e, sobretudo, das crianças. Muito bem!
Avaliação do discurso
Nota do discurso: mais fraco do que o discurso do Pontal, com menos novidades, marcou pouco e ficou atrás de personalidades do PSD que intervieram na UV 2014. Apesar de tudo, com alguma caridade, damos nota positiva – 11 valores.