2. Pois bem, iremos seguir a mesma metodologia que adoptámos para a análise do primeiro debate: começaremos pela apreciação da forma; seguidamente, da estratégia dos candidatos; e, por último, pela substância dos respectivos discursos. Não percamos mais tempo: afinal, quem venceu o debate de ontem na SIC?
Forma:
3. Quanto à forma de comunicação e postura no debate, António Costa insistiu no erro (ridículo, qualificarão alguns) de levar a família para o debate de umas primárias do Partido Socialista – o que, repetimos, só demonstra a arrogância e petulância de Costa (que, no seu espírito, dá a vitória como adquirida). Com o pormenor pitoresco de esperar pela mulher para entrar nos corredores da SIC, apenas com o objectivo de a câmara os filmar juntos! Pelo menos, não repetiu a ideia de pedir aos seus colaboradores ( Carlos César e Duarte Moral) para chegarem mais cedo e se espalharem pelo corredores da SIC, para as câmaras filmarem os momentos de abraços de ternura entre eles. Costa já aprendeu qualquer coisa! Descontando esses detalhes, António Costa, ao longo do debate, apresentou um tom mais aguerrido, sem medo, nem problemas de consciência (como havia demonstrado no dia anterior na TVI), não sendo meramente reactivo – assumindo o risco de lançar novos pontos para o debate e não mostrando o respeitinho, a roçar a sobranceria, por António José Seguro como na véspera. Bem, portanto, Costa na forma. António José Seguro, por seu lado, na forma, esteve francamente pior no debate da SIC – voltou a ceder à tentação do discurso redondo, perdendo-se pelo acessório e descurando o essencial. Não ficou uma única ideia forte de Seguro. No minuto final, desta vez, António Costa apresentou uma mensagem forte, construtiva ao mesmo tempo que colou Seguro aos ataques pessoais e a uma campanha negativa contra si – tudo num tom com vivacidade e expressividade. A Dona Olinda do “Viva Melhor” ,que Costa havia incarnado na terça-feira, não apareceu ontem na SIC.
Estratégia:
António Costa não deve ter dormido na noite de terça para quarta, dada a necessidade de uma reunião longa com a sua equipa de spin off. Após a tragédia na TVI, Costa não poderia perder um segundo debate, em dois dias consecutivos – o que daria azo a que o principal tema nas próximas semanas fosse a surpresa positiva representada por Seguro nos duelos televisivos. Daí que António Costa tivesse de adoptar um discurso duro, com algumas medidas episódicas como manobra de diversão para contrariar a crítica de que não tem ideias e a sua eleição é um puro acto de fé. Subtilmente, Costa foi aconselhado a aproveitar todas as oportunidades para reduzir a intervenção de Seguro no primeiro debate a uma série de ataques pessoais e “política baixa”. António José Seguro, por seu turno, mostrou uma grande inabilidade política. Então o homem venceu o primeiro debate – e, em vez de aproveitar a onda, optou por uma estratégia diferente: a de justificar o seu trabalho nos últimos dois anos! Optando no primeiro debate por colocar António Costa encostado às cordas, Seguro teria de dar o golpe final para ganhar o round! Assumiu, pelo contrário, apenas um discurso de passado – e não de futuro. Em vez de explicar as medidas que constam do “contrato de confiança”, Seguro limitou-se a salientar que António Costa está, afinal, rendido às medidas que o actual secretário-geral do PS propõe nesse documento. Não há, afinal, ideias novas. Às tantas, parece que o debate entre Costa e Seguro não é para o esclarecimento dos portugueses, nem sequer para esclarecer os militantes e simpatizantes do PS: é para meia dúzia de gatos-pingados (com todo o respeito) embrenhados na “política politiqueira”. Foi, pois, um empate – empate que é, afinal, uma derrota para ambos e para o Partido Socialista, como um todo.
Conteúdo do discurso dos candidatos:
Decorre do que atrás escrevemos quanto à estratégia dos candidatos socialistas, que houve um fenómeno bastante curioso – e que passou despercebido aos comentadores políticos. À partida, antes do primeiro debate, António Costa aparecia com um discurso virado para os portugueses – e menos ou nada para o partido; António José Seguro aparecia com um discurso para dentro, para os militantes socialistas – e menos ou nada para os portugueses. Ontem, na SIC, os papéis inverteram-se: António Costa falou para os militantes socialistas – e não para os portugueses. António José Seguro tentou falar mais para os portugueses – e não tanto para os militantes socialistas. A ideia mais forte de António Costa no debate, marcando-o inegavelmente, foi a de que não tem complexos com o passado recente do PS, ou seja, que está satisfeito com o legado de José Sócrates. Mais: ao analisar as medidas de António José Seguro – e repare-se que, desta vez, António Costa até levou papéis com apontamentos e folhas para distribuir a Seguro, algo que não tinha feito no primeiro debate: foi aí literalmente de “mãos a abanar” – aquele que foi o n.º 2 de José Sócrates referiu que a proposta de requalificação do país (constante do “contrato de confiança” de Seguro) corresponde ao programa socrático das Novas Oportunidades! E o programa de reindustrilização corresponde ao plano de José Sócrates de investimento público e aposta em novas infra-estruturas! Conclusão: para António Costa, José Seguro até tem boas ideias – mas tudo o que é bom no PS, para Costa, tem a paternidade de José Sócrates. Só faltava mesmo , a certo ponto, António Costa usar uma camisola a dizer “volta, José Sócrates, estás perdoado; I love you”! Mal, muito mal, António Costa: este saudosismo ternurento será selado, pelo que sabemos, por uma abraço de puro amor político entre António Costa e José Sócrates no último dia de campanha eleitoral! Será um momento muito bonito para mais tarde recordar! No que respeita às críticas severas que Costa recebeu por não avançar com propostas, este socialista mudou de atitude não mudando. Confuso? Expliquemos. Costa mudou – lançou duas ou três propostas que alegadamente constam da sua moção, falando desenvolvidamente, de forma redonda, sobre elas, depois de andar a dizer que é muito cedo para falar de medidas. Mas não mudou – porque falar muito de três medidas inúteis, pífias, abstractas, que não vão ao encontro das preocupações prementes dos portugueses, é o mesmo que não falar de nada! No fundo, a doutrina Costa é a de “conversar sem falar”: conversa (gasta tempo do debate) mas não fala (não se compromete com nada!). Se António Costa chegar a Primeiro-Ministro, qual será a primeira medida que tomará? Telefonar a Renzii? Ficar à espera que a Europa resolva, mudando de atitude, graças à sua insistência celestial? Curto, muito curto. Exige-se mais – muito mais! – a quem quer ser Primeiro-Ministro de Portugal. E a grande ideia que Costa apresentou para incrementar a nossa economia foi…imagine-se…apostar nas energias renováveis!!! Nas renováveis – o grande amor de José Sócrates! Mais uma homenagem de António Costa a José Sócrates. Outro momento alto do debate: quanto à dívida pública, António Costa reproduziu a teoria de…Pedro Passos Coelho, sendo apanhado (e bem) por António José Seguro e Clara de Sousa!
No plano substancial, António José Seguro limitou-se a falar, em termos muito pouco claros, das medidas que tem vindo a defender e que constam do seu “contrato de confiança”. Apresentou um caminho alternativo quanto à fiscalidade e quanto à dívida pública – caminho que é absolutamente irrazoável (e impraticável). Foi incapaz de apostar numa ideia forte que marcasse a agenda política. E tinha esse dever, já que Seguro personifica o poder que é desafiado. Não obstante, Seguro, no conteúdo, esteve ligeiramente melhor que António Costa.
Notas e conclusões
António Costa: 10 valores
António José Seguro: 10 valores
Clara de Sousa: 14 valores (duas jornalistas de grande nível moderaram os debates socialistas! O PS, nestas coisas, é sempre abençoado…).