Os homens e os programas

Sempre que se aproxima uma eleição, lá se ouve a frase sacramental: “O que interessa não são as pessoas, são os programas”.

Ora, não há nada mais disparatado.

Porquê?

Pela simples razão de que são as pessoas que aplicam os programas.

Pode haver um programa óptimo; mas se for posto em prática por um incompetente, o resultado será inevitavelmente mau.

Se os programas fossem aplicados por robôs, aí sim, só o seu conteúdo importaria.

Mas sendo os humanos que os concretizam, o factor pessoal é determinante.

Esta verdade é válida para todas as áreas da sociedade e para todas as geografias.

Não é indiferente o líder de uma empresa ser a pessoa A ou B, ou o treinador de um clube ser o fulano X ou Y.

Por isso, os grandes gestores são tão bem pagos e os grandes treinadores também.

Na política acontece o mesmo (excepto na questão do pagamento…).

Não é indiferente o PS escolher António Costa ou António José Seguro.

Podia um ter um programa óptimo e o outro ter um programa péssimo, que isso pouco interessaria. 
O que o PS vai escolher é uma pessoa e não um programa.

Até porque, em termos de programas, não há quaisquer diferenças entre Seguro e Costa.

Um fala de “uma agenda para a década” ou diz que “o país tem de fazer fisioterapia”, o outro propõe “um contrato de confiança com os portugueses”, mas tudo isso é conversa fiada.

Não quer dizer rigorosamente nada: são expressões para épater le bourgeois.

Basicamente, Seguro e Costa defendem o mesmo: o fim da austeridade, a aposta no crescimento da economia e uma atitude mais firme na Europa.

São coisas estimáveis e consensuais: quem não quer uma economia a crescer vigorosamente e Portugal a falar de igual para igual com a Alemanha?

Hollande queria o mesmo e dizia-o nas vésperas das eleições francesas; só que depois nunca mais o disse…

Portanto, o que Seguro e Costa dizem nesta altura é irrelevante.

O que conta é a avaliação pessoal que os socialistas fazem de um e de outro. 

E aqui a desvantagem de Seguro é notória. 

Porquê? 

Pura e simplesmente porque, diga ele o que disser, as pessoas não o levam a sério. 

É difícil explicar, mas é a pura verdade.

Muita gente pode até achar que ele tem razão e ter pena dele quando se vitimiza – mas quem vota num candidato por ter pena dele?

E, quando procura falar grosso e mostrar-se forte, não consegue convencer ninguém. 
Seguro é um bocado como o Belenenses – um clube simpático mas no qual não se aposta para ganhar o campeonato. 

António Costa é mais manhoso, mais batido e mais cínico.

Finge que não ataca Seguro mas ataca-o virulentamente (disparando umas farpas venenosas entre os dentes, tipo “tu não pensas nada e só dizes o que as agências de comunicação te põem à frente”).

Finge-se quase desinteressado da luta pela liderança, assumindo uma atitude displicente, mas está empenhadíssimo nela. 

Finge que não se compromete com nada (diz que é prematuro falar da dívida, que é cedo para falar dos impostos, que é prudente não fazer promessas nesta altura) mas vai passando a mensagem de que mudará tudo, redimindo o país das malfeitorias que este Governo lhe fez. 

Sem prometer nada, Costa acena com um Paraíso futuro em contraste o Inferno actual.

Com esta táctica dúplice, António Costa está prestes a ganhar a batalha pelo PS.

Mas a batalha pelo país, para o ano, será outra coisa.

Por duas razões.

Porque Passos Coelho é um osso bem mais duro de roer do que Seguro.

E porque Costa tem de contrariar a ideia de que pretende recuperar as teses (e até o pessoal político) de José Sócrates.

E isso é que vai ser uma tarefa ciclópica.

Porque, para a maioria dos portugueses, três anos de troika bastaram – e ninguém quer andar para trás. 

Voltar atrás, ao ponto em que Sócrates deixou o Governo, é que ninguém quer mesmo.

A demissão de Vítor Bento

A demissão de Vítor Bento e da sua equipa teve sobretudo que ver com o timing da venda do Novo Banco. 

Bento tinha um plano que precisava de tempo para pôr em prática – e o Governo decidiu vender o banco com urgência. 

Mas qual seria a melhor solução? 

Penso que a segunda. 

A primeira comportaria um caminho muito longo e incerto. 

Seria muito difícil recuperar a pulso a credibilidade do Novo Banco. 

Já a segunda hipótese – a venda rápida da carteira de clientes e da rede de agências, integrando a estrutura do Novo

Banco num banco já existente – parece razoável e viável num prazo curto. 

E evita que a situação se deteriore. 

Vítor Bento é uma pessoa que estimo e respeito, e compreendo a sua frustração. 

Mas penso que, nesta questão, pôs o seu orgulho à frente dos interesses da instituição.

Sacrificando-se e ficando até ao fim, ele teria defendido melhor o património do banco e a razão de Estado. 

jas@sol.pt