O malandro e o ladrão

A manhã estava aprazível e a espera no consultório médico não me despertava qualquer sentimento de incomodidade. Estava tão distante, na ressaca de mais um fecho, que quase fui ‘acordado’ quando entrou outro paciente para o mesmo médico. Com o Público debaixo do braço soltou logo um forte protesto: “Afinal, o outro é que era…

Aprendi há muito tempo que não devemos entrar em discussões públicas com pessoas que não conhecemos, sobre futebol, religião ou política – embora agora também possamos acrescentar a falência de bancos. As pessoas facilmente perdem as estribeiras e ficam cegas com o que defendem, parecendo automobilistas hooligans que querem 'matar' quem os ultrapassa ou quem vai encostado na faixa da esquerda a 'dormir'. 

Mesmo entre amigos, as tais discussões – futebol, religião ou política – acabam por ser perigosas. Já vi um grande amigo virar 'bicho' só porque estava, como quase sempre, a picá-lo com um treinador.

Voltando ao consultório, apesar de não responder fiquei meio perplexo: segundo o homem, o malandro, como é bom de ver, é Passos Coelho e o tal que tinha fama de ladrão, segundo a óptica do paciente nervoso, deve ser um cordeirinho, e dá pelo nome de Sócrates! Extraordinário, pensei. As pessoas não se preocupam em ler os factos, apenas lhes interessa encaixar nas suas cores políticas as teses da conspiração. Que se saiba, o actual primeiro-ministro poderia hipoteticamente ser acusado de fuga ao fisco, o que parece não se confirmar. Não consta que seja acusado de ter recebido milhões para facilitar alguns projectos polémicos ou de querer comprar a comunicação social. O outro, foi sucessivamente envolvido em negociatas maquiavélicas e a fuga aos impostos seria uma brincadeira de meninos no seu vasto cardápio. Dir-se-á: mas todas as acusações acabaram em nada. Sim , é verdade e até prova em contrário é completamente inocente. Mas teria sido possível criar uma teia da conspiração contra tal figura com base apenas numa denúncia anónima como a que recai sobre Passos Coelho? Certamente que os responsáveis judiciais de então se fartariam de rir de tão insólita queixa. Mudam-se os tempos, mudam-se os risos. 

vitor.rainho@sol.pt