António Costa é o seu líder?
Evidentemente que sim. Desde o momento em que venceu de forma tão expressiva as primárias, tornou-se o líder do PS. Queria também realçar o papel de António José Seguro: a legitimidade acrescida com que António Costa se vê consagrado como líder deve-se ao mérito da proposta das primárias. Seguro revelou, além do mais, em todo este processo, grande dignidade, tenacidade e firmeza nos princípios. Tenho orgulho de ter estado ao lado dele.
Seguro fez bem em renunciar ao mandato de deputado?
Eu não teria renunciado, mas compreendo que renuncie. É mais uma prova de desapego.
Continuará a haver segurismo?
É uma expressão que Seguro disse que não gostava e eu também não acho que faça sentido. Mas há um conjunto de valores – que incluem a devolução aos militantes e simpatizantes das grandes decisões sobre o seu futuro – que ficam como marca destes três anos. Outra marca é a recusa do 'centrão' de negócios e da promiscuidade entre a política e a actividade económica. Faço questão de realçar também as duas vitórias eleitorais. Eu não sou dos que abandonam os derrotados, como é costume na nossa terra.
Na campanha, identificou o 'centrão' de negócios com António Costa…
Não, eu disse que havia apoios a Costa de gente próxima desse 'centrão' de negócios. Fui o primeiro a falar do apoio de Nuno Godinho Matos, que admitiu que, como administrador no BES, a sua vida foi entrar mudo, sair calado e receber as senhas de presença – ou seja, que teve um tacho por razões políticas. Mas isso agora não importa: o António Costa não é culpado pelos apoios que tem.
Costa e Álvaro Beleza fizeram um acordo para a inclusão de 30% de apoiantes de Seguro nos órgãos do PS. O que pensa deste acordo?
Se o acordo existe, é positivo e corresponde a uma tradição do PS que foi quase sempre respeitada em 40 anos. A mim não me preocupa nada a inclusão ou não inclusão.
Tem dúvidas de que o acordo exista?
Não sei. Com a idade que tenho já não me interesso pelas coisas de mercearia interna. Isso não me aquece nem me arrefece. Quando levei uma cabazada do José Sócrates nas directas, em que também participou o Manuel Alegre, fiquei dois anos fora dos órgãos nacionais, sem que isso me impedisse de dar a minha opinião e participar na vida do PS. E depois o próprio Sócrates convidou-me para voltar a fazer parte da Comissão Nacional e da Comissão Política e aceitei com agrado.
Esteve nos últimos dias com António José Seguro. Achou-o desiludido ou desalentado?
De forma nenhuma! Nem deprimido nem desalentado. É alguém que está bem na sua pele e tem muita gente solidária com ele, como eu estou.
Acha que se impõe a Seguro algum período de nojo na política activa?
Não necessariamente. Mas tenho de respeitar a opção de um homem digno que cumpre a sua palavra, o que vai sendo raro na política. A carreira política dele não acaba agora. Ainda é novo e a marca que deixou no PS é impressiva. Poucos podem orgulhar-se de terem feito tanta coisa. Há que incluir neste legado o que ele fez há uns anos, na reforma do Parlamento. Foi na sua liderança que o PS teve uma das maiores vitórias eleitorais em autárquicas e foi ele quem introduziu as primárias, que vão revolucionar o sistema político português.
Qual é a explicação para o mau resultado de Seguro nas primárias?
Havia uma onda que nos era desfavorável. O debate interno – incluindo os debates televisivos – contrariou um pouco essa onda dos media e dos comentadores que estiveram contra ele. Mas nunca tive nenhuma espécie de ilusão sobre o resultado desta eleição. Sempre soube que íamos perder e provavelmente por muitos.
O aparecimento do Livre marca uma novidade na esquerda? E a saída do Fórum Manifesto do BE?
Não há nada substancialmente diferente, há quando muito evoluções. Acho é que a situação política, económica e social, em Portugal e no mundo, exige um retorno aos valores básicos da social-democracia e da esquerda. Houve uma degenerescência, cujo expoente máximo é o Tony Blair, e agora é urgente um back to the basics. Ou as coisas estão ao serviço da comunidade ou não pode ser. O sistema financeiro tornou-se selvagem e vamos de escândalo para escândalo – com o BES novo e o BES velho, para não falar do dinheiro africano cuja proveniência a gente conhece. Não podemos no mundo continuar a pactuar com isto. A esquerda tem a obrigação de se unir numa situação que é de emergência.
Falou do BES. Acha que Ricardo Salgado, se falar, é uma ameaça ao regime?
Não tenho informação que permita dizer uma coisa dessas. Não estou na lógica de transformar uma figura muito conhecida num bode expiatório de tudo isto. Se acho que os banqueiros têm de ser metidos na ordem? Lá isso têm. Mas sobretudo aqueles que não têm rosto. O Ricardo Salgado tem a vantagem de sabermos quem ele é e de ter dado sempre a cara por aquilo que fez. E os que estão à frente dos Banif, BCP e BIC? Estão sempre a mudar, numa jigajoga permanente. E mais a PT e a Oi (ainda agora houve demissões…). É uma vergonha.
Teme um regresso do PS ao passado, por conta do novo protagonismo do bloco socrático?
Não me identifico nada com esse tipo de designações. Repugnam-me, até. Estou à vontade porque disse sempre em público que nunca tinha votado Sócrates. Mas reconheço que Sócrates fez coisas magníficas como primeiro-ministro. Teve tipos que não eram bons à volta dele, no Governo, mas teve uma visão estratégica para o país. E resistiu até à última à troika e essa tropa fandanga do sistema financeiro.
Vê o Álvaro Beleza como herdeiro do segurismo?
Não, nem ele quer colocar-se numa situação dessas. O Álvaro Beleza é um bom tipo, um homem generoso e desapegado, um genuíno socialista, muito amigo de Seguro e meu amigo. E um bom médico, ainda por cima.
Quem mandatou Beleza para aquele acordo com Costa?
Só soube da diligência à posteriori. Para mim não se pôs nenhum problema de mandato. Às vezes as coisas fazem-se em função da oportunidade. Penso que o contacto para a conversa foi feito do outro lado.
Como é que o PS sai das primárias? Com feridas para sarar?
As feridas são secundárias, não têm importância. As primárias revelaram uma grande capacidade de agregação e o PS, no seu todo, sai reforçado. E apesar da vitória expressiva de Costa, ninguém ficou dono do PS.
António Costa ganharia em ter um secretariado, a direcção executiva do PS, com gente que apoiou Seguro?
Costa é muito experiente, como Seguro era. Ele deve fazer aquilo que o deixar mais confortável. Conhece toda a gente no país, deve escolher os melhores.
Nesta campanha, o João Soares esteve com Seguro e o seu pai apoiou Costa. Tinha precedentes esta divisão política familiar?
Sim. O meu avô paterno (de quem herdei o nome e com quem vivi até aos 20 anos) era um republicano da linha Afonso Costa, enquanto o meu pai foi comunista na juventude e já adulto. Eu nunca fiz nada no PS à sombra do meu pai e também não fiz contra o meu pai. Até ao ano em que ele deixou de ser secretário-geral do PS, quando foi eleito pela primeira vez Presidente, eu não tive nenhum papel no partido.
Foi difícil de gerir a divisão de campos nestas primárias?
Não. E cada um fez a sua opção, livremente. Nem o meu pai me informou quem ia apoiar, nem eu lhe perguntei e nem fazia sentido que o fizesse.