Teresa Leal Coelho: ‘Estamos tranquilos com a explicação do SIS sobre os vistos gold’

Garante que não há razões para suspeitar da actuação das secretas e que no futuro as regras sobre varrimento de escutas serão mais claras. Para breve, estará também uma nova proposta para criminalizar o enriquecimento ilícito.

António Costa virou à esquerda no Congresso do PS. Que consequências tem essa colagem? Fica mais difícil conseguir compromissos?

Durante estes três anos tivemos enormes dificuldades em contar com o PS, portanto essa não é uma novidade. Não obstante ter sido o PS que impôs ao país um resgate financeiro em 2011 e subscreveu o memorando de entendimento, nunca tivemos a cooperação do PS, a não ser em questões pontuais, como a reforma do IRC.

O nome de Sócrates não foi usado no congresso do PS. Não pode ser usado em campanha?

Pode com certeza ser usado. Foi primeiro-ministro de Portugal.

Costa está demasiado colado ao legado de Sócrates?

Cada pessoa é uma pessoa. Agora, Costa era um alto dirigente do PS durante a governação de Sócrates. Teve responsabilidades governativas e pactuou com as políticas dos governos socialistas de Guterres e de Sócrates.

Este alinhamento à esquerda será para manter?

Não acredito que vá manter essa matriz. Os governos em que participou não tiveram essa filosofia. Estou convencida de que é um tacticismo. Aliás, os socialistas europeus que estão no governo apresentaram programas eleitorais de esquerda mas têm agido de acordo com o que Europa tem exigido.

Que impacto político tem o processo de Sócrates?

Eu não falo de processos judiciais.

Passos anunciou a intenção de criar o crime de enriquecimento ilícito. 

O primeiro-ministro disse que o PSD estará na primeira linha de combate à corrupção como sempre esteve. E fez uma referência à criminalização do enriquecimento ilícito como um instrumento que sempre foi defendido pelo PSD: tivemos uma proposta de Marques Mendes em 2007, uma de Manuela Ferreira Leite em 2009 e outra de Passos Coelho em 2011. É uma pretensão do PSD que vem de trás.

Como vão contornar a inversão do ónus da prova?

Já há inversão do ónus da prova na fraude fiscal e na fraude à Segurança Social. No caso concreto do enriquecimento ilícito tal como nós o formulámos nesta última versão, a questão que foi levantada foi no plano da presunção da inocência. Estamos a testar um conjunto de soluções, promovendo um debate que ainda não é público mas que virá a ser.

Quando poderá a proposta avançar?

Quando tivermos assegurado uma boa solução e obviamente sempre em parceria com o nosso parceiro de coligação.

Depois de várias notícias sobre mal-estar na coligação, esta semana saiu um livro com críticas do ex-ministro Álvaro Santos Pereira a Paulo Portas e soube-se também que o CDS vai avançar com a proposta de reposição do 1º de Dezembro contra o PSD. Que sinais são estes?

A coligação e o Governo estão coesos. Há uma grande tranquilidade na coligação.

Como é que o Governo saiu da polémica dos vistos gold? Que efeitos teve a saída de Miguel Macedo?

O ministro Miguel Macedo fez um trabalho excepcional. Teve uma excelente gestão política de todos os casos do primeiro ao último dia de exercício de funções. E também na saída. Mas temos uma ministra da Administração Interna que tem um currículo ímpar e invejável. É uma mulher de armas, é determinada e seguramente continuará o bom trabalho de Macedo.

O caso dos vistos gold levantou suspeições sobre o funcionamento do SIS. Os portugueses têm razões para ficarem preocupados?

Não. Não há razões. Nós defendemos que temos de dar um sinal claríssimo e apurar o que aconteceu e, por isso, aprovámos as audições do Conselho Fiscalizador e do secretário-geral do SIRP (Serviço de Informação da República). E posso dizer que as nossas conclusões são de que as pessoas podem estar tranquilas. A condição em que foi feito o varrimento electrónico de escutas ambientais será o de uma medida de protecção num gabinete de um alto dirigente da Função Pública. A explicação foi-nos dada. Ficámos tranquilos com as explicações e ainda mais com as medidas que nos foram anunciadas e que serão implementadas no futuro em casos semelhantes.

Que medidas serão essas?

Não lhe posso dizer. Mas serão medidas que nós consideramos que são adequadas para diminuir riscos de instrumentalização e utilização indevida. 
 

Tem o entendimento de que os registos de interesses dos dirigentes das secretas devem ser públicos, mas Fernando Negrão tem uma visão diferente da lei. Que versão prevalece?

Não há um entendimento meu e outro do presidente da 1.ª Comissão. O que há é um entendimento dos que representam dois terços dos deputados – PSD, CDS, PCP e BE – e aquela que é hoje a posição do PS. Não era essa a posição do PS há uns meses. Os registos são públicos, estão editados no site da 1.ª Comissão. O PS depois de António Costa ter ganho as primárias alterou a sua posição e veio dizer que os registos de interesse do secretário-geral do SIRP e dos membros do conselho de fiscalização não devem ser públicos. A única excepção à publicidade do registo de interesses coloca-se em relação aos funcionários do SIRP e não podia ser de outra forma, porque têm uma identidade oculta e protegida.

Como se desfaz esse impasse?

O registo de interesses é público. Não precisa de estar num site. Mas é necessário que esteja disponível para consulta. A lei assim o determina.

Provocou muita polémica quando disse que os deputados deviam declarar se pertencem a alguma organização…

Por que não? Está a falar da Maçonaria. Não faz nenhum sentido num quadro de direito democrático ter motivações políticas ocultas, opacas.

Os políticos deviam declarar se pertencem à Maçonaria?

Com certeza. Se pertencem à loja XPTO…

E acha que isso vai acontecer?

Acho. O que era dificílimo há vinte anos, como impor registos de interesse patrimonial, hoje seria impensável não fazer. Mas para avançar temos de falar publicamente e sem medo. Quando pela primeira vez falei nesta questão, estava no Parlamento há pouco tempo, alguns colegas meus mais antigos do que eu e até de partidos de extrema-esquerda com muita simpatia vieram-me dizer que temos de ter cuidado com isto. Parece que algumas pessoas têm medo. Mas é natural. Do oculto as pessoas têm sempre medo. Eu não tenho nada contra a Maçonaria. Tenho tradição maçónica com muito orgulho na minha família e vários amigos que pertencem a lojas. Mas temos de saber para que servem as lojas e ao que vão.

margarida.davim@sol.pt