António José Seguro queria esquecer o passado socrático e virar uma página no partido – e António Costa foi deliberadamente remexer no passado e deu a mão aos socráticos (dizendo mesmo que assumia com orgulho a herança de Sócrates).
António José Seguro esfalfava-se a falar, esforçava-se por aparecer diariamente nos telejornais, andava em tournée pelo país todos os fins-de-semana – e António Costa fala pouco, não se afadiga em correrias pelo país nem se sujeita a dançar em bailes de rua.
António José Seguro fazia promessas todas as semanas, comprometia-se com esta e aquela medida (desde a baixa do IVA nos restaurantes à reposição dos cortes nas pensões e nos salários) – e António Costa não promete nada, remetendo eventuais benesses para uma mudança de atitude da Europa.
E no entanto, apesar de tudo isto, António José Seguro não passava da cepa torta nas sondagens – e António Costa regista óptimos resultados.
Como explicar este mistério?
Como explicar que, falando pouco e não prometendo nada, António Costa suba nas intenções de voto?
Como explicar que, tendo dado a mão aos socráticos, não seja afectado pela prisão de José Sócrates?
Como explicar que, não aparecendo todos os dias na TV a protestar contra isto e contra aquilo, não seja penalizado pela 'falta de comparência'?
A resposta é simples: os políticos em Portugal são mais apreciados pelos silêncios do que pelas palavras.
Salazar era um homem de poucas falas e esteve 36 anos no poder.
Eanes tinha sempre melhores sondagens quando estava calado do que quando abria a boca.
Cavaco Silva conquistou duas maiorias absolutas apesar de não gostar de falar – enquanto Mário Soares, um tribuno por excelência, nunca obteve nenhuma.
Usando com o devido respeito uma imagem canina, António José Seguro fazia o papel do cão que ladra mas não morde, enquanto António Costa ladra pouco – e por isso pode morder.
Além do silêncio e dos cuidados para não se comprometer, António Costa joga com a ambiguidade e às vezes com a duplicidade.
No Congresso, disse que nunca fará alianças com a direita, porque isso significaria fazer acordos com o Diabo; mas recentemente elogiou o Bloco Central liderado por Mário Soares, ou seja, enalteceu as virtudes de um Governo PS-PSD.
Garante que não se sentará à mesa das negociações com os líderes dos partidos da coligação – mas acrescenta que poderá sentar-se depois das eleições.
Não faz promessas, mas deixa outros fazê-las por ele (no Congresso, Alegre prometeu tudo e mais alguma coisa).
Lança 'a brincar' a candidatura de Jorge Sampaio a Belém.
Finalmente, dias depois da prisão de Sócrates, anunciou que o iria visitar a Évora (para não ser acusado de ainda não o ter feito) mas não disse quando.
Para lá de usar o silêncio, de recorrer por vezes à ironia e de cultivar a duplicidade, António Costa adoptou recentemente uma nova técnica.
Perante perguntas mais embaraçosas (tipo: “Não se sentiu também atingido pela segunda carta da prisão escrita por Sócrates?”), Costa responde com uma risada, como quem diz: “Não me façam perguntas estúpidas”.
No fundo, Costa está a fazer oposição com a táctica que usou nos debates contra Seguro: resguardar-se o mais possível e dar uns murros no Governo em momentos escolhidos – como o pugilista que se põe estrategicamente à defesa e aproveita as distracções do adversário para lhe atingir o rosto.
Isto funcionará? Julgo que sim.
Sempre afirmei que o líder da oposição não deve falar todos os dias, porque isso lhe banaliza a imagem.
Também digo há algum tempo que fazer promessas nesta altura só descredibiliza quem as faz, porque já ninguém acredita nelas.
A arte da política hoje é não prometer nada – mas dar a entender que tudo vai mudar; e é isto que António Costa tem feito.
Se conseguir manter esta atitude até ao fim, Costa poderá ser visto como o homem providencial que salvará o país da austeridade – e aí será difícil vencê-lo.
O problema será quando tiver de passar dos silêncios, das ironias e das ambiguidades à acção, sendo obrigado a tomar medidas e governar.
Só aí ele tirará a máscara.