O cumprimento do défice orçamental este ano está facilitado e o saldo das contas públicas pode até ficar abaixo da meta de 2,7% do PIB. Com a execução orçamental a correr melhor do que esperado em 2014 e a recuperação da actividade económica que a descida do preço do petróleo deve proporcionar, o Governo ganhou uma folga adicional face ao cenário traçado quando o Orçamento do Estado para 2015 foi desenhado – apesar das reticências que subsistem no FMI.
No Governo, o sentimento é de confiança. O ponto de partida para a execução orçamental deste ano ficou mais claro com a divulgação da execução orçamental de todo o ano de 2014, na última sexta-feira. O défice ficou 655 milhões de euros abaixo do previsto, o que representa uma folga superior a 0,3% do PIB face ao cenário traçado há três meses.
Estes dados são ainda em contabilidade pública (óptica de recebimentos e pagamentos de caixa) e não em contabilidade nacional (óptica de compromissos). É o saldo em contabilidade nacional que conta para a Comissão Europeia e esses dados só serão conhecidos em Março. Os 655 milhões em contabilidade pública podem não representar uma folga equivalente em contabilidade nacional, mas o comentador Marques Mendes já revelou que o défice de Bruxelas deverá ficar entre 3,5 e 3,7%.
O secretário de Estado do Orçamento, Hélder Reis, foi esta semana ao Parlamento e, embora não se tenha comprometido com valores precisos, mostrou-se optimista e indicou que, quer a meta de 4% (sem despesas extraordinárias) quer a de 4,8% (com despesas extraordinárias), serão cumpridas.
Hélder Reis sublinhou a redução da despesa conseguida no ano passado. Mesmo com as decisões do Tribunal Constitucional que pressionaram a massa salarial do Estado, os programas de rescisões e as saídas para a aposentação permitiram poupanças permanentes. «A redução de efectivos foi determinante» para a diminuição da despesa primária (sem juros), revelou, acrescentando que as poupanças com os serviços e fundos autónomos da administração pública estão também acima do projectado.
Actividade económica ajuda
A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, alinhou no mesmo diapasão, num encontro do PSD: «Estamos a chegar onde queríamos: reduzir mais na despesa do que aumentar na receita».
Assumindo que os 655 milhões de euros são reveladores de uma redução permanente da despesa, a folga de 0,3% do PIB deverá prolongar-se para o exercício de 2015 também em contabilidade nacional. O Governo admite que há um conforto adicional. «O ponto de partida para 2015 é melhor. Mitigámos as incertezas relacionadas com o ponto de partida e a probabilidade de cumprir o défice de 2015 é agora maior», disse o secretário de Estado.
Além da melhor execução de 2014, o governante assumiu que outro ponto determinante para cumprir o défice será a evolução económica. E neste campo adivinha-se um comportamento bastante mais favorável do que as previsões de há três meses, devido à descida do preço do petróleo.
Se os preços do crude se mantiverem baixos, as previsões do Governo apontam para um impacto positivo na economia entre 0,3% e 0,5% do PIB, segundo avançou ao SOL o ministro da Economia – o que aumentaria ainda mais a folga nas contas públicas.
Ou seja, combinando os dois efeitos – melhor execução orçamental em 2014 e a animação da economia com folga do petróleo – as contas públicas ganham uma folga potencial de 0,6% a 0,8% do PIB, face às previsões feitas há três meses, quando foi elaborado o Orçamento do Estado para 2015. Não é líquido que todas estas bonanças se materializem – a incerteza com a Grécia, por exemplo, pode ditar uma deterioração do desempenho económico europeu – mas os primeiros indícios do ano são positivos.
Ministra já comunicou reembolso antecipado
E um terceiro ponto de alívio pode marcar a execução em 2015: as poupanças na despesa com juros com pagamento antecipado ao FMI. Ao que o SOL apurou, a ministra das Finanças aproveitou o Eurogrupo desta segunda-feira para comunicar aos parceiros europeus a intenção de pagar antecipadamente parte do empréstimo do fundo. Agora segue-se um complexo processo de diligências formais junto dos credores (FMI, parceiros do euro e fundos de resgate europeus).
Em Bruxelas e no FMI, apesar de tudo, há ainda reticências quanto ao desempenho orçamental do país. Esta sexta-feira, a organização de Christine Lagarde divulgou o primeiro relatório pós-programa houve reticências do fundo quanto ao cumprimento do défice este ano. O FMI considera que o défice orçamental deste ano será mais elevado do que os 2,7% do PIB previstos pelo Governo, já que as projecções de crescimento económico e de receita fiscal no Orçamento do Estado são excessivamente “optimistas”.
No primeiro relatório após o programa de assistência financeira, publicado hoje, o Fundo antevê que o défice em 2015 será de 3,4%. E, embora reconheça que as reformas já levadas a cabo pelo Executivo melhoraram a competitividade, considera que o crescimento lento do país mostra que a “agenda inacabada é substancial”.
joao.madeira@sol.pt