O CAN-2015 em cinco toques

A 30.ª edição do Campeonato Africano das Nações terminou com a vitória da Costa do Marfim sobre o Gana, no desempate por penáltis. Sob a orientação do francês Hervé Renard, o primeiro treinador a levar dois países ao título continental, a selecção dos ‘Elefantes’ superou a lenda de uma maldição lançada por curandeiros locais há…

O CAN-2015 em cinco toques

Maldição da Costa do Marfim acaba nas mãos e nos pés do guarda-redes Barry

A história era tomada como verdadeira, a ponto de um ministro ter tentado saldar a dívida em atraso para acabar com a maldição. Desde que a Costa do Marfim ganhara o Campeonato Africano das Nações (CAN) em 1992, nunca mais a selecção dos ‘Elefantes’ tinha conquistado qualquer troféu. Nem a geração de Didier Drogba fora capaz de quebrar o enguiço. E tudo porque, segundo constava no país, aquela vitória ficou amaldiçoada.

Reza a lenda que, por obra de um grupo de curandeiros, o guarda-redes de então, Alain Gouamene, jogou com um dente de elefante numa chuteira. O feitiço teria feito com que os adversários do Gana o vissem na baliza em tamanho maior do que o real, o que se revelaria decisivo para o triunfo dos marfinenses no desempate por penáltis. Como a federação nacional recusou pagar pela suposta bruxaria, a ideia de uma vingança dos curandeiros – em forma de maldição contra o sucesso da equipa nacional – ganhou corpo à medida que os resultados decepcionantes se acumularam: apesar de ser uma crónica favorita, a Costa do Marfim passou a falhar sempre nos grandes momentos, como nas finais do CAN de 2006 e 2012 (ambas no desempate por penáltis).

Em 2002, o ministro da Defesa e Protecção Civil, Moise Lida Kouassi, apresentou em nome do Governo um pedido de desculpas «pelas promessas que não foram cumpridas em 1992». E pagou aos curandeiros dois mil dólares, em troca da absolvição. A selecção chegou à fase final dos Mundiais de 2006 e 2010, mas também aí os resultados não apareceram.

Quando, no passado domingo, a final do CAN-2015 foi para o desempate por penáltis (0-0 após prolongamento) e os marfinenses desperdiçaram as duas primeiras tentativas, temeu-se o pior. Mas o guarda-redes Boubakar Barry, que actua nos belgas do Lokeren, replicaria na perfeição o duplo feito de Alain Gouamene, 23 anos antes: depois de parar os dois penáltis seguintes, sentenciou o título ao converter ele próprio o último penálti após defender mais um dos ganeses (9-8 foi o resultado final). Desconhece-se se carregava algum amuleto, mas o certo é que o veterano de 35 anos devolveu o troféu de campeão africano aos ‘Elefantes’. Já sem Drogba – mas ainda com Yaya Touré para as curvas.

Meia-final manchada por chuva de garrafas e não só

A meia-final entre o Gana e a anfitriã Guiné Equatorial ficou marcada por cenas de violência protagonizadas pelos adeptos da casa. Ainda antes do intervalo, já com o resultado desfavorável (0-2), iniciaram o arremesso de garrafas para o relvado, o que obrigou a equipa contrária a sair para os balneários protegida por escudos policiais. E depois do terceiro golo ganês, a 15 minutos do fim, a situação tornou-se dramática para os adeptos visitantes, que invadiram o campo para se refugiarem de uma chuva de objectos – além de garrafas, houve pedras, espelhos e até um prato a voar. «É uma zona de guerra», retratou no Twitter a Federação Ganesa de Futebol.

A intervenção da Polícia interrompeu o encontro durante mais de meia hora e, apesar dos oito minutos que faltavam jogar, o árbitro mandou toda a gente para o balneário ao fim de três. A federação da Guiné Equatorial foi multada em 88 mil euros e obrigada a pagar as despesas médicas dos feridos.

O que nasce torto tarde ou nunca se endireita

A pena aplicada à Guiné Equatorial pelo mau comportamento dos seus adeptos é vista entre marroquinos e tunisinos como desproporcional. E nova demonstração de uma atitude de dois pesos e duas medidas por parte da Confederação de Futebol Africana (CAF).

Ao ter renunciado à organização do CAN-2015, temendo um surto do vírus ébola no país, Marrocos foi excluído da edição deste ano e está impedido de participar nas próximas duas. Terá ainda de pagar uma multa de 880 mil euros e uma indemnização de oito milhões de euros.

Por ironia, a Guiné Equatorial não só substituiu Marrocos no papel de organizador como ganhou uma vaga no torneio para a sua selecção, que tinha sido afastada por motivos administrativos (utilização irregular de um jogador na qualificação). Mas pelos desacatos na meia-final só foi punida em 88 mil euros. Livrou-se, por exemplo, de disputar o terceiro lugar com a República Democrática do Congo à porta fechada (derrota nos penáltis).

Já a Tunísia queixa-se de ter sido prejudicada pela arbitragem no jogo dos quartos-de-final com a selecção da casa. Os seus jogadores perseguiram o árbitro e o presidente da federação, Wadie Jary, falou em «corrupção» da CAF para favorecer a Guiné Equatorial. Resultado: Jary foi suspenso de toda a actividade e a Tunísia terá de pedir desculpa ou apresentar «provas irrefutáveis» do que afirma. Caso contrário – informa a CAF –, também será excluída do CAN-2017.

Christian Atsu, ex-FC Porto, o melhor jogador

Campeão no FC Porto em 2012/13, sob o comando de Vítor Pereira, o extremo ganês que agora pertence ao Chelsea esteve em destaque no CAN. Não só lhe pertence o melhor golo – um remate desferido junto à quina da área que sobrevoou o guarda-redes da Guiné Equatorial –, como foi considerado o melhor jogador da competição. Já o seu compatriota Andre Ayew venceu o prémio de melhor marcador (3 golos), numa prova em que a bola entrou 68 vezes nas balizas, à média de 2,13 por jogo.

A segunda vez para Hervé Renard

Em 30 edições do CAN, nunca um treinador havia conduzido duas selecções ao êxito. Aconteceu agora com o francês Hervé Renard, que antes da Costa do Marfim tinha conquistado o título de campeão africano ao serviço da Zâmbia (2012), precisamente frente aos marfinenses. Antes disso, tinha treinado a selecção angolana.

«Sou um felizardo por ter ganho duas vezes nos penáltis», admitiu o técnico, que dançou com os jogadores no relvado e dedicou o triunfo aos marfinenses. No dia a seguir foi recebido em Abidjan, capital da Costa do Marfim, com a restante comitiva, por um milhão de pessoas em festa.