Costa: Acabou o estado de graça

Os cem dias de liderança de António Costa, que se completam na segunda-feira, não dão motivos para festejos. «Se dúvidas havia antes desta semana, agora ficou claro: o estado de graça acabou», diz ao SOL um dirigente socialista.  

Costa: Acabou o estado de graça

Nas hostes costistas há apreensão, na oposição interna assinala-se que a expectativa inicial elevada deu lugar à frustração. Ontem, um socialista lembrou um ataque que Costa usou na campanha interna, e que agora parece irónica. «Se pensarmos como a direita, agiremos como a direita». A frase serviu para atacar Seguro, por contemporizar, com o Governo. Agora, Costa está no centro da polémica por ter elogiado a recuperação do país nos últimos quatro anos. «O incómodo é evidente», nota um ex-dirigente segurista.

Num discurso perante a comunidade chinesa, na semana passada, o líder do PS elogiou a recuperação de Portugal, admitindo que o país está «bastante diferente» de há quatro anos. Furioso, o co-fundador do PS Alfredo Barroso (que há muito divergia publicamente do líder) pediu a desfiliação do partido. A alegada subserviência à China do líder do PS e o desrespeito em relação aos desempregados justificaram a posição  do ex-chefe da Casa Civil de Mário Soares.

No Rato, optou-se por repetir a justificação de que Costa não critica o país perante investidores estrangeiros. «Temos de dar uma mensagem de confiança. Para diminuir a confiança já chega o Governo e não precisa da ajuda da oposição», sustentou o secretário-geral do PS ontem à tarde, acusando os adversários de «descontextualizar» o que tinha dito.

«À medida que se aproximam as eleições, os burburinhos e as tempestades aumentam a agitação», diz Augusto Santos Silva ao SOL. O ex-ministro socialista desvaloriza o episódio da desfiliação de Alfredo Barroso, dizendo que «é uma tempestade num copo de água».

Na mesma linha Ferro Rodrigues acusa a maioria de direita de usar uma «frase imprecisa» para atacar o candidato a primeiro-ministro. Já Porfírio Silva, conselheiro político de Costa, e membro do Secretariado, optou por publicar variações do mesmo post, ao longo dos últimos dias, com a mesma mensagem. «É muito simples: o secretário-geral do PS não diz mal de Portugal com interlocutores estrangeiros, mesmo quando o Governo é mau», escreveu. Ainda assim, e ainda que de forma velada, a preocupação com a imagem de Costa existe.

Criticado por não falar e por falar
Desde que foi eleito secretário-geral, a 22 de Novembro, o líder do PS foi regularmente criticado pelos adversários políticos por não se comprometer com políticas alternativas. Nos últimos dias, porém, foi o que Costa disse, e não o que deixou por dizer, que o colocou em xeque.

No círculo de Costa, os ensinamentos a retirar deste episódio são de vária ordem. «Arriscar uma frase que pode ser descontextualizada é pior do que não fazer propostas», nota um socialista. «Isto é um fait divers provocado pela direita. Temos de nos concentrar na acção política», defende um elemento da sua entourage.

Nos próximos dias, Costa tudo fará para acelerar o ciclo político. Um encontro nacional, com 60 oradores, em Santarém, debate a descentralização e a valorização do território – e será a oportunidade para o líder, que estará rodeado de autarcas e dirigentes regionais, de falar do tema que tem tido mais espaço na preparação do programa eleitoral.

A oposição interna a António Costa tem ficado animada com os episódios dos últimos dias. A guerra ainda não se faz a céu aberto mas as armas começam a despontar. O secretário nacional para a comunicação, Porfírio Silva, convocou reuniões com os responsáveis das federações desta área e ouviu críticas à actuação do partido.

Críticas das federações
As reuniões – com as federações acima do Mondego, na passada quinta-feira, no Porto, e com as federações do Sul, no sábado, na sede nacional – serviam para acertar a estratégia de comunicação entre as federações e o Largo do Rato, mas alguns responsáveis, principalmente os afectos a António José Seguro, aproveitaram para mostrar descontentamento. 

Um presidente de federação diz ao SOL que houve críticas à «pouca intervenção» do partido e não gostou da justificação: «Disseram que ainda é cedo, que só depois do programa apresentado é que haverá comunicação mais visível. Mas há desconforto e ansiedade, espero que isso aconteça antes». Um outro responsável afirma que houve queixas por causa das «respostas pouco assertivas» e a «reacção tardia» do PS. Um burburinho cada vez mais sonoro quanto à actuação de António Costa. 

manuel.a.magalhaes@sol.pt 
sonia.cerdeira@sol.pt