No PSD preparam-se as espingardas para uma campanha de ‘casos’. O mote foi dado por Passos Coelho, no encerramento das Jornadas do PSD, com um discurso duríssimo, em que se disse pronto para uma campanha de ataques pessoais.
«Isto vai ser duro», reconhece um dirigente social-democrata, que admite que o escrutínio feito a António Costa será grande e que todo o historial do líder socialista será passado a pente fino, mesmo que esse seja o último recurso. «Ninguém quer ir por aí porque é mau para todos, mas vamos estar atentos».
A primeira vez que isso aconteceu foi, contudo, no Facebook, pela mão de um assessor do gabinete do primeiro-ministro que, para reagir à notícia da dívida de Passos à Segurança Social, partilhou uma notícia do Tal&Qual com vários anos sobre uma alegada falta de pagamento da contribuição autárquica e Sisa na compra de uma casa por parte de António Costa.
Preparado para ataques pessoais
Sem nunca falar numa cabala, Passos reagiu às notícias de uma dívida à Segurança Social e antecipou a polémica – que só haveria de estalar na quarta-feira – sobre processos de que foi alvo no Fisco. Nas suas palavras esteve sempre implícita a ideia de que por trás das notícias está uma intenção eleitoral.
O primeiro-ministro disse mesmo que, «à medida que se torna mais claro» que «afinal estas eleições podem não ser um passeio» para António Costa, «a discussão vai-se recentrando do foco político para o foco pessoal». Mas sublinhou que isto não o vai fazer hesitar.
«Espero que não vão por aí, mas não será sob ameaças e pressão que deixarei de fazer aquilo que o meu dever de consciência me mandar», avisou, dizendo estar já à espera que os adversários recorram à «chicana política» na campanha eleitoral para as legislativas.
Considerando que às vezes a melhor defesa é o ataque, Passos tratou as notícias sobre o seu histórico fiscal como questões pessoais: «Eu estou pessoalmente e a minha família está pessoalmente preparada para enfrentar todo esse tipo de debate político», garantiu, reforçando a ideia de que está pronto a «enfrentar este ano eleitoral nos termos em que ele se está a desenhar».
O discurso teve um efeito óbvio nas hostes sociais-democratas, que aplaudiram de pé o líder e saíram claramente entusiasmadas do Centro de Congressos da Alfândega, no Porto, onde decorreram as jornadas do PSD. O tom enérgico do líder acalmou as dúvidas dos sociais-democratas que não gostaram de o ver dizer, um dia antes, que «não tinha consciência» de que era obrigatório pagar à Segurança Social. «Mais valia não ter dito nada antes e fazer só este discurso», comentava um deputado, expressando uma opinião rapidamente secundada por vários outros.
Resta saber se o efeito será o mesmo no eleitorado em geral. E aí as opiniões dividem-se entre os sociais-democratas.
Na segunda-feira, antes do discurso de Passos Coelho, o ânimo não era o melhor: «Isto não é nada bom», comentava um destacado membro do partido. «Depois das ‘chinesices’ do Costa e de sondagens boas, isto é um balde de água fria», concordava um deputado.
Apesar de ninguém se dar por derrotado, era clara a preocupação com o impacto de uma polémica sobre falhas em contribuições para a Segurança Social de um Governo que tentou moralizar a relação dos contribuintes com a administração pública. «Antigamente, estas coisas eram normais. Agora, as pessoas já não vêem isto com bons olhos», apontava outro social-democrata à margem das jornadas.
O anti-Sócrates
«Bom não é, mas os portugueses entendem», desvaloriza ao SOL um vice-presidente do PSD, convicto de que a imagem de Passos Coelho como um homem honesto não está em risco. «Não é por isto [as dívidas à Segurança Social] que vão passar a achar que é um vigarista», comenta a mesma fonte, fazendo um paralelismo com o processo que envolve José Sócrates. «As pessoas sabem que uma coisa é um atraso num pagamento, que há uns anos era uma coisa normal, outra é o Sócrates que está preso por milhões».
Sem nunca ser nomeado, o ex-primeiro-ministro socialista esteve claramente presente no discurso de Passos, que se apresentou como uma espécie de ‘anti-Sócrates’, garantindo nunca ter usado o seu poder para beneficiar alguém, nunca ter condicionado jornalistas e ter as mesmas «ou menos» posses que tinha quando assumiu a liderança do Governo.
Já há muito que no PSD era claro que José Sócrates ia ser uma das grandes figuras da campanha para as legislativas, mesmo que sempre com o cuidado de separar política e Justiça. Mas Passos foi agora mais longe ao acusar alguns de lançarem casos com o intuito de provar que os políticos são «todos iguais».
Sócrates dispara, PS cauteloso na reacção
Na prisão de Évora, Sócrates acusou o toque. Numa carta enviada à TSF e ao Diário de Notícias, divulgada ontem, o ex-primeiro-ministro atacou o discurso do líder do PSD. «Esta forma de fazer política diz tudo sobre quem a utiliza», escreveu, considerando ter sido alvo de um «cobarde ataque pessoal» no qual o seu processo foi usado como arma de luta de política. Sócrates foi mesmo ao ponto de acusar Passos de estar «próximo da miséria moral».
«Em vez de atirar lama para cima dos outros, faria melhor em explicar aos portugueses se ele próprio cumpriu ou não cumpriu a lei», atirou José Sócrates, numa expressão semelhante à que já tinha sido usada pelo presidente do PS, Carlos César. «De nada vale criticar um ex-primeiro-ministro que está detido ou ministros do PSD que estão ou já estiveram detidos. Esses não estão em funções nem são candidatos», atacava César, na quarta-feira em declarações ao jornal i.
A verdade é que o PS chegou tarde à polémica da dívida à Segurança Social: só reagiu 24 horas depois, depois do BE e do PCP. E não cavalgou as notícias sobre processos fiscais de que Passos Coelho terá sido alvo. Aliás, António Costa reagiu mesmo de forma incomodada às perguntas de uma jornalista da SIC que tentou obter uma reacção sua ao caso, à saída do salão agro-alimentar SISAB, na quarta-feira.
margarida.davim@sol.pt