O prazer de ser desmancha-prazeres

Muitos de nós, quando queremos aprender mais sobre um assunto, vamos à procura de um livro que nos possa informar. E, mediante a oferta disponível, escolhemos uma obra que dê garantias. Normalmente essas garantias aparecem no texto da contracapa ou da badana, onde se assegura que a obra foi escrita por ‘um dos maiores especialistas’…

Qual é afinal o problema dos especialistas? Diria que até há mais de um.

Para começar, a reputação. O especialista tem uma reputação a manter e não quer pô-la em risco por causa de uma afirmação mal medida ou demasiado ousada. Um erro pode torná-lo motivo de troça junto dos seus colegas e deitar por terra um nome consolidado ao longo de décadas. Assim, o especialista tende a ser cauteloso, a arriscar pouco, com receio de fazer má figura.

Peguemos no caso concreto de um livro que li recentemente acerca de Pompeia. Já foram escritos milhares de livros sobre a erupção do Vesúvio, já foram feitas séries de TV, filmes, romances. Há centenas de guias turísticos. Um especialista não o pode ignorar. Face a isso, como reage?

Por um lado, enchendo a sua obra de minudências sem interesse – pois sente-se obrigado a acrescentar alguma coisa à discussão. Por outro lado, tornando-se do contra, ou seja, gastando grande parte do seu tempo e do seu latim a comentar o que já foi dito e escrito. No caso do meu livro, notei uma insistência exagerada em desmentir, quando não em ridicularizar, algumas opiniões alheias e os seus defensores.

O especialista, de uma forma geral, não gosta muito de factos curiosos – da chamada anedota histórica. Prefere dados sólidos, discretos, que não façam espalhafato. Além disso, adora ser desmancha-prazeres, mostrando-nos que muitas das coisas que pensávamos saber sobre o assunto podem afinal não ser verdade. 'Não é bem assim', 'não temos a certeza se…', 'não podemos afirmar com segurança que…', 'não sabemos exactamente o que aconteceu' encontram-se entre as suas frases feitas favoritas. Alguns, por cada pergunta a que respondem, colocam quatro para as quais não têm resposta, só para nos esfregarem na cara até que ponto somos ignorantes.

Todas estas cautelas acabam por funcionar como chamadas à realidade que vão minando o prazer da leitura. No cinema, existe o fenómeno da 'suspensão da crença'. Aqui, somos constantemente recordados das nossas limitações e que não vale a pena entusiasmarmo-nos em demasia.

"Só sei que nada sei", dizia Sócrates. Aprendi há muito que a dúvida é o primeiro passo para o conhecimento – mas não é o conhecimento em si. Para isso também precisamos de respostas. Ora, de que serve ler um livro se, no final, concluímos que ficámos a saber ainda menos do que sabíamos antes? Não devo ser o único a achar isso um paradoxo – o paradoxo, chamemos-lhe assim, do especialista.

jose.c.saraiva@sol.pt