“São dispensáveis actos heróicos que nos façam perder as eleições”, defende ao SOL um governante do PSD, referindo-se ao aumento do preço da água anunciado pelo ministro Moreira da Silva. “Nada é mais patriótico nesta fase do que impedir a eleição do PS nas próximas legislativas”, salienta.
Entre os autarcas do PSD no litoral (os preços só irão descer nos concelhos do interior), o assunto não está a ser pacífico. “Em termos eleitorais, isto não é mau: é péssimo”, ataca um social-democrata. Mesmo admitindo a necessidade de uma reforma do sector, salienta a preocupação com o timing da medida, que “vai pôr três quartos da população a pagar a descida da água para um quarto” dos consumidores.
Apelo ao ‘bom senso’
A reforma que Moreira da Silva agora lançou implicará uma uniformização das tarifas no país, com aumentos previstos para as zonas litorais. As declarações do ministro do Ambiente, em entrevista ao DE e Antena 1, a assumir que “uma larguíssima maioria” da população terá a água mais cara, não ajudaram e vieram dar mais motivos de preocupação para aqueles que já pensam na campanha para as legislativas.
Se, por um lado, há consenso no sentido de que o Governo está a ser coerente com o que sempre defendeu e prometeu – de que irá governar até ao fim e que não envereda por caminhos eleitoralistas –, por outro lado também há a convicção, entre a maioria de dirigentes sociais-democratas e centristas, de que são de evitar medidas fracturantes e a abertura de novas polémicas nesta fase da legislatura.
“É uma questão de bom senso evitar medidas impopulares neste momento do campeonato”, assume ao SOL um membro da direcção de Passos Coelho, numa alusão à reforma das águas, mas também a outras matérias como a lei do álcool. Ontem, o Governo não chegou a discutir a proposta de lei que visa proibir a venda de vinho e cerveja a menores de 18 anos uma medida que contava com a resistência do ministro Pires de Lima e que abria divisões no PSD.
A redução da TSU das empresas para reduzir os custos laborais, que foi defendida por Passos Coelho esta semana no Conselho Nacional do PSD, é outro foco de polémica. E embora a medida desta vez não implicasse custos para os trabalhadores, há quem receie o efeito eleitoral negativo de recuperar “uma medida de má memória”. O Programa de Estabilidade não contempla para já a descida da TSU.
“É preciso fazer a gestão política das medidas do Governo nesta fase”, alerta um vice-presidente de Passos, acrescentando que o Executivo se deve “concentrar em concretizar reformas que já estavam em curso, em vez de abrir novos dossiês e novas frentes de polémica”.
“O Governo escusa de estar a inventar nesta fase, em algumas questões que são conflituosas”, sustenta outro vice-presidente do PSD.
Um dirigente do CDS alinha no mesmo sentido. “Uma coisa é tudo aquilo que são obrigações que decorrem de reformas que já estavam a avançar ou obrigações internacionais ainda associadas ao memorando da troika, tudo o resto é dispensável”, argumenta um dos vice-presidentes de Portas.
Suspender a lei das águas
A reforma do sector das águas visa, segundo o ministro do Ambiente, gerar receita mas também passar a tratar todos por igual. No PSD, há quem alerte, porém, que este é também “um discurso político muito perigoso ao colocar o interior contra o litoral”.
Hermínio Loureiro, conselheiro nacional do PSD e presidente do conselho metropolitano do Porto, já anunciou que os 17 municípios vão avançar para os tribunais, “para suspender os efeitos desta medida”. O autarca de Oliveira de Azeméis argumenta que “o litoral não pode ser chamado a pagar as asneiras que se arrastaram durante anos no grupo Águas de Portugal, com ordenados megalómanos e carros topo de gama”. Por outro lado, Hermínio Loureiro reforça que esta reforma, “que é estruturante e de fundo, é daquelas que devem ser feitas no início e não no fim da legislatura”.
Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais e vice-presidente do PSD, não quer pronunciar-se sobre o assunto, mas a verdade é que já no passado se assumiu contra a reforma e anunciou que, juntamente com os municípios de Oeiras, Sintra e Amadora, também iria avançar pela vida judicial.
As vantagens do estilo ‘que se lixem as eleições’
Entre os críticos à reforma de Moreira da Silva há destacados dirigentes do PSD que, para já, preferem não se pronunciar publicamente sobre o assunto por estarem ainda à procura de soluções alternativas, que podem passar por compensar a subida da água com a descida, por exemplo, das tarifas do lixo.
“Esta reforma já vem dos governos PS, passou por Assunção Cristas e, agora, é um ministro do PSD que a vai implementar”, lembra um dirigente social-democrata, reforçando que “este Governo fica com o ónus sem ter a repercussão prática da reforma” – numa alusão às acções judiciais já anunciadas pelos municípios.
Mas no PSD há também muitos que acreditam que não fugir às reformas antes das eleições pode ser bem visto na hora de votar. “É por isso que somos diferentes. Fazemos o que é preciso e as pessoas percebem isso”, afirma um vice-presidente social-democrata. “Esta é a lógica de actuação do Governo: faz as coisas que têm de ser feitas”, concorda outro elemento da direcção de Passos.
Naquilo em que quase todos concordam é na falta de capacidade do Executivo de explicar as medidas. “Estamos a falar de subidas do preço da água que são, em alguns casos de 30 cêntimos. São mais 13% ao longo de cinco anos”, desvaloriza um dirigente do PSD, que reconhece que também a descida da TSU foi mal comunicada. “Houve uma confusão. Vai descer graças à flexibilização permitida por Bruxelas e não à custa dos trabalhadores”, explica, com uma confissão: “Não somos especialistas em comunicação”.
*com Margarida Davim