Fala habitualmente com comentadores televisivos da área do PSD?
Não, não é muito vulgar, é episódico. Não tenho uma relação regular, semanal, quinzenal, mensal com os comentadores que estão na minha área política.
E vê os comentários?
É muito raro. Eu vejo muito pouca televisão. Chego tarde a casa e, quando chego, a primeira coisa que quero fazer não é ir ver o dia político todo, é estar com a família. Portanto, posso ver um filme, uma série ou uma coisa qualquer – tudo menos ir ver o que disse o comentador A ou o comentador B. Os telejornais, não vejo. Isso não significa que não esteja a par do que eles dizem. Recebo diariamente informação sobre o que são os noticiários das televisões, o que são as opiniões emitidas por toda a gente e, enfim, com mais ou menos detalhe, lá vou acompanhando aquilo que são as opiniões que eles emitem.
Não acha que se excedeu ao apresentar Dias Loureiro como um modelo de virtudes empresariais, um homem que foi administrador do BPN que prejudicou em quatro mil milhões de euros os cofres públicos?
Acho que se exagerou o modelo de virtudes que eu terei exaltado em Dias Loureiro. Aquilo que eu disse foi que Dias Loureiro tinha conhecido o mundo e tinha tido sucesso empresarial. E poderia ser um bom ponto de exemplificação para quem supõe que, pelo facto de não estar numa grande cidade, num grande centro económico, está completamente fora de qualquer hipótese de vir a fazer alguma coisa bem-sucedida na vida. Portanto, não procurei fazer um exemplo extraordinário como não faria uma condenação fosse de quem fosse. O que se passou com o BPN foi grave, ainda está a ser julgado pela justiça portuguesa, teve um impacto muito grande junto das nossas finanças públicas. Saber que responsabilidade teve Dias Loureiro nesse processo é matéria que estará a ser vista pelos tribunais, na investigação que o Ministério Público está a fazer. Mas sobre isso não me quero pronunciar, porque não o faço a propósito de ninguém.
Esta greve da TAP pode ter levado à desistência de alguns candidatos à privatização?
Espero que não. Mas que a greve não deixou a companhia em melhores condições, não deixou. E em teoria isso pode ter acontecido. No dia 15 verificaremos se algum concorrente deixou de apresentar a proposta firme em resultado da incerteza que a companhia tem de enfrentar pelo custo de reputação de uma greve tão prolongada e que tinha um sentido político. Hoje isso já é inequívoco.
Acredita que um Governo do PS pode fazer reverter ainda a privatização da TAP?
A privatização da TAP não foi um capricho do Governo e não está a ser conduzida de forma ilegal. Portanto, se a privatização for bem-sucedida, espero que isso seja respeitado pelos governos seguintes. Os governos estão sujeitos à lei – e se um Governo no futuro quiser desfazer o negócio só o poderá desfazer no quadro do próprio contrato de alienação. Agora, a ideia de ameaçar os concorrentes, procurando de certa maneira fazer abortar o processo de privatização acenando com a disponibilidade para fazer reverter o negócio no dia seguinte, parece-me uma estratégia que não cumpre com os comportamentos de correcção que os Estados democráticos devem ter.
Sendo Angola já o quinto maior país do mundo de maior emigração portuguesa, com mais de 150 mil trabalhadores, neste momento de dificuldades não deveria o Ministério dos Negócios Estrangeiros marcar uma presença local mais efectiva junto desses trabalhadores?
O Ministério dos Negócios Estrangeiros, em nome do Governo, tem tentado encontrar pontos de diálogo com o Governo angolano, de forma a poder minorar o efeito de medidas que tiveram de ser adoptadas em Angola. Ao mesmo tempo, explora hipóteses de apoio às empresas que estão sob maior pressão. Estou muito satisfeito com o trabalho que o ministro dos Negócios Estrangeiros desenvolveu. E o ministro da Economia e o vice-primeiro-ministro também tiveram um diálogo muito útil quer ao nível diplomático, quer ao nível homólogo. Não ficámos à espera que as coisas acontecessem, fomos ter com o Governo angolano e procurámos encontrar boas soluções. Eu próprio estive bastante activo cá.
Sente diferenças entre a oposição que fazia António José Seguro e a que faz António Costa?
Os tempos são muito diferentes. António Costa está a preparar as eleições, António José Seguro esteve a preparar a sua liderança, a afirmação da sua liderança durante um período que foi muito difícil no país. Julgo, em qualquer caso, que não há diferenças muito grandes nas medidas de fundo apresentadas por ambos. A perspectiva é a mesma: repor as 35 horas, repor os feriados, baixar o IVA na restauração, remover todas as medidas difíceis que foram implantadas. Todo esse discurso, que era o discurso de António José Seguro, é o discurso de António Costa. A ideia relativamente à renegociação da dívida parece ser um bocadinho diferente apenas porque António Costa está mais calado nesta matéria. Mas o seu líder parlamentar foi um dos subscritores do documento. António Costa faz tudo o que está ao seu alcance para poder ganhar as eleições, mesmo fornecendo um menu de medidas que dificilmente deixarão de ser consideradas eleitoralistas.
A propósito do programa macroeconómico do PS, quais são as grandes diferenças que vê em relação ao Plano de Estabilidade do Governo?
Há uma diferença abissal na forma como olhamos para a recuperação da economia. O Partido Socialista parece estar persuadido de que obteremos uma recuperação sensível se aumentarmos o rendimento disponível das pessoas, para que elas possam consumir mais. Basicamente, trata-se de um modelo de recuperação da economia liderada pelo consumo. Esse modelo é perigoso, porque significa mais importações e, portanto, conduz a um maior desequilíbrio externo e, por outro lado, a um desequilíbrio interno: vai faltar dinheiro no Orçamento. Nós temos uma perspectiva muito diferente. O rendimento das pessoas tem de crescer por via da competitividade e da produtividade – e, portanto, de melhor investimento e de mais emprego (de preferência mais qualificado, que acrescente valor à economia). Se isto acontecer, estaremos realmente a distribuir novo rendimento; se não for assim, o rendimento artificialmente dado agora às pessoas para consumirem representará sempre uma responsabilidade imediata ou futura. Como acontece com a medida proposta para as contribuições para a Segurança Social: os socialistas vão dar mais rendimento disponível em troca de pensões mais baixas no futuro. Há uma peça muito útil, feita pelo Conselho das Finanças Públicas, sobre as perspectivas económicas a partir de 2016. O relatório foi apresentado antes de o Governo apresentar o programa de estabilidade. E diz o seguinte: partindo do princípio de que, em 2016, nenhuma medida extraordinária se mantém em vigor (nem sobretaxa, nem cortes salariais, nem 35 horas…), a nossa economia crescerá um pouco mais do que hoje é previsível – mas entraremos novamente em défice excessivo e em desequilíbrio externo. Ora, ao contrário do documento do PS, o Programa de Estabilidade que o Governo apresentou está dentro destas preocupações. Por isso, prevemos a saída do défice excessivo. Tivemos um excedente já nos últimos dois anos, que este ano deve ser mantido.
No auge da polémica das suas dívidas à Segurança Social, referiu-se à situação de Sócrates, embora indirectamente. Está arrependido dessa alusão?
De facto, não o fiz.
Mas foi interpretado assim…
Pode ter sido interpretado, mas não o fiz. Sempre achei que, para nos defendermos, não precisamos de atacar ninguém. Disse que aquilo que se estava a dizer de mim não era verdade. Não sou rico, não enriqueci na política, nunca criei uma rede de favores. Até já descobri que passei a ter muito mais patrões do que tive no passado. Volta não volta, há jornais que dizem 'ex-patrão de Passos Coelho'…
A prisão de Sócrates vai influenciar o resultado das eleições?
Não faço ideia.
O PSD usará este tema na campanha eleitoral?
Eu acho que não deve.
Mas tem maneira de evitar isso? A tentação é muito grande…
Até hoje não existiu essa tentação. Não temos tido nenhum problema em nos demarcarmos da herança política de José Sócrates. Agora, isso não tem nada que ver com a questão que está em apreciação na justiça.
Em 1987, Cavaco Silva utilizou o slogan 'Portugal não pode parar'. Agora o PSD usará o slogan 'Portugal não pode andar para trás'?
Ainda não discutimos slogans nem ideias centrais de campanha, mas o que está em jogo nas próximas eleições é saber se queremos construir em cima do que já alcançámos enquanto país ou se estamos interessados em desconstruir isso e voltar à situação em que vivíamos antes do resgate. E, desse ponto de vista, faz todo o sentido dizer que precisamos de andar para a frente e não de andar para trás. Esse contraste torna-se ainda mais evidente quando o líder do maior partido da oposição, todas as semanas, recorda mais uma medida que vai desfazer, repondo o que estava.
Já desistiu da ideia 'que se lixem as eleições'?
As eleições são importantes, mas não são a coisa mais importante do mundo. Não me arrependo nada de ter dito, numa altura difícil, antes sequer das eleições autárquicas, que estávamos mais preocupados em salvar o país do que em ganhar eleições. Portanto, disse: 'Que se lixem as eleições, o que é importante é salvar o país'. Diria outra vez o mesmo. Não encaro estas eleições como uma questão de vida ou de morte, em que tenha de lançar todas as medidas simpáticas que nos possam reconciliar com toda a gente e prometer um amanhã feliz para todos os portugueses. O programa que submeterei ao eleitorado será bastante comedido. Não há nenhum Governo que não goste de agradar, mas se tivesse tido a perspectiva de agradar simplesmente nunca teria sido bem-sucedido no propósito de fechar o programa de assistência. Creio que as pessoas percebem que o chamado eleitoralismo – o bacalhau a pataco, o deixa ver quem promete mais – não é uma estratégia que possa ser bem-sucedida.
Na sua biografia, diz: 'Serei avaliado por aquilo que fiz, mas também por aquilo que puder representar no futuro'. O que oferece de novo aos portugueses?
As eleições não servem apenas para julgar o passado. Julgam o passado mas, depois, representam sempre uma vontade para futuro. O que posso representar de futuro é uma garantia de prudência, que salvaguarda o país. E isso não é pouco num país que tem andado aos solavancos – já não digo nos últimos 40 anos, com três resgates, mas na última meia dúzia de anos, com sobe salários, baixa impostos, a seguir sobe impostos, corta salários… As pessoas merecem ser tratadas com outro respeito e isso faz parte da prudência governativa. Em segundo lugar, nós iniciámos um processo de transformação estrutural da economia e da sociedade portuguesas. As reformas estruturais não são um menu fechado que se executa em dois ou três anos – e depois ficamos salvaguardados para futuro. Tomámos o remédio, nunca mais nos acontece nada. Não é assim. A reforma estrutural é um processo contínuo que parte do princípio de que estamos em concorrência com outras economias e não podemos atrasar-nos. Era fundamental que nos próximos anos o país desse uma imagem rigorosa, verdadeira, de que aprendeu realmente com os erros do passado e que não está disposto a passar pelo mesmo. Ser disciplinado do ponto de vista dos dinheiros públicos não é uma coisa que se possa fazer ano sim, ano não, conforme as folgas nos permitem. Ou somos rigorosos nessa matéria ou não somos, ou gastamos bem o dinheiro ou não gastamos. É importante que o gastemos em coisas mais produtivas, rentáveis, que possam gerar mais emprego. Para isso, é preciso manter este rumo.
Este Governo não fez a reforma do Estado…
Mas iniciámo-la. Diz-se que a gente não tocou no Estado, mas não é assim. Fizemos uma ampla reforma na justiça. A reforma das Forças Armadas e da Defesa estará concretizada até 2020 e foi uma reforma de fôlego. Muita coisa mudou nesta área – e não foi por acaso que houve algum ruído no sector. Do lado da segurança interna foi um tempo mais difícil para fazer grandes mexidas, mas estamos a concluir processos que darão estabilidade às forças de segurança e permitirão manter o país como um país seguro. Portugal é um país extraordinariamente seguro, e todos os relatórios de segurança interna mostram como os indicadores melhoraram nos últimos anos. Fizemos reformas importantes na saúde e na educação que precisam de ser prosseguidas. Não fomos nós que as iniciámos, mas tiveram um impulso muito grande nestes últimos quatro anos. Iniciámos também um processo de melhorar a selecção e o recrutamento dos dirigentes da administração pública. É preciso voltar a dar credibilidade a estes processos de escolha. Mas tudo isto não chega para completar aquilo que deve ser uma reforma do Estado. Devemos ter um Estado mais regulador do que executante – e que esteja em condições de zelar melhor pelo interesse público sem criar barreiras excessivas aos cidadãos, quer na esfera individual quer quando se organizam em associações, empresas e por aí fora. Apesar de tudo o que fizemos – e fizemos mais do que se julga -, é ainda decepcionante o tempo que as coisas demoram a ser resolvidas dentro da administração pública e o imenso lote de coisas que dependem de um visto da administração, de uma autorização da administração.
A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA
Parte 1: 'É verdade o que se diz no livro sobre o Verão de 2013'
Parte 2: ‘Tenho uma visão positiva do mandato de Carlos Costa’
Parte 3: ‘O PSD não deve usar Sócrates na campanha’
Parte 4: ‘Sem um Governo de maioria passaremos as passas do Algarve’