O Benfica convidou a família agredida e vai dar-lhe um lugar de destaque na cerimónia de consagração da equipa como vencedora do campeonato. Na aparência, é um gesto de conforto que nada tem de criticável. Na realidade, é um acto de oportunismo populista – sim, a presidência de um grande clube de futebol é também um lugar político – que compromete quem o pratica. Com esse gesto, a direcção do Benfica toma partido onde não o devia tomar, vira os adeptos contra a PSP, embora todos saibamos que o agressor de Guimarães não é toda a corporação, prolonga e promove a agressividade dos fanáticos que povoam as claques, viveiros de marginalidade que os clubes apoiam ou toleram, não raro desculpando a arruaça e o vandalismo que são o seu verdadeiro desporto. E cujo sentimento de impunidade parece contagiar gente comum, como a que aparece no assalto ao armazém de artigos desportivos em Guimarães.
A paixão clubística transformou-se numa doença social. Há bola a mais na nossa vida pública e no aproveitamento que se faz dela – na política, na televisão, nos negócios, nas negociatas, nas decisões de ministérios e autarquias. Serve de justificação para tudo, torna reféns os poderes públicos e a sociedade em geral. Já para não falar dos custos reais dessa 'indústria': os meios humanos e materiais que as forças de segurança mobilizam ao longo da época para conduzir as ditas claques pelas ruas e as controlarem nos redis que lhes estão reservados nos estádios são apenas um exemplo.
Há muitas explicações e razões conjugadas para o deplorável desfecho da 'festa do título' no Marquês de Pombal, onde o clube fez o que bem entendeu, com a colaboração da Câmara de Lisboa – um começo infeliz para o homem sensato que parece ser o novo presidente – e contra o parecer da PSP. Talvez se perceba mais tarde o que houve nela de violência organizada, de explosão ocasional da agressividade latente em largos sectores da população, de organização deficiente ou do estímulo ao confronto com a polícia originado pela transmissão das imagens de Guimarães. Mas, perante os factos, e não se podendo fechar o Marquês, só há uma decisão a tomar: se querem ser eles a organizar festas a seu bel-prazer, os clubes que as façam nos seus estádios e paguem do seu bolso os desmandos que delas resultarem. E se, como é devido, se pedem explicações à Polícia, ou porque se excede, ou porque não resolve os problemas com mais prontidão e eficácia, então que se considerem as suas opiniões em lugar de se satisfazerem a vontade e a megalomania dos diri- gentes dos clubes.
São eles os primeiros responsáveis pelo fanatismo e pelo clima de agressividade que envolve o futebol – pelo que dizem e pelo que fazem, pelo que calam e pelo que consentem. Não podem ficar de fora no momento de assumir responsabilidades e, como se não bastasse, ainda fazerem figura de moralistas.
Ousadia de Costa
Durante meses, António Costa foi criticado por não apresentar ideias e propostas. De há um mês para cá, o essencial do debate político faz-se em torno das propostas e ideias do PS, sem que os demais partidos tenham apresentado as suas. Esta semana, além de divulgar o programa de Governo em versão simplificada, Costa veio dizer que admite o prolongamento do período de transição da lei das rendas, em defesa da classe média. E disse-o num almoço com construtores e proprietários. Nem todos ousariam a mesma frontalidade.
Brandos costumes
Enquanto o Correio da Manhã se vai tornando, não apenas líder, mas também modelo da Imprensa portuguesa, o tabloidismo entra pelas televisões adentro. Assim, são cada vez mais raros os jornais televisivos que não abrem com a notícia de um crime, o julgamento de um crime, ou as imagens de um crime, repetidas até à exaustão e ao vómito. Ninguém diria que, contra todas as expectativas, a criminalidade tem diminuído significativamente nos últimos anos. Com excepção da delinquência juvenil e dos carteiristas, estes, sim, em franco progresso.
Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 22/05/2015