Três botas para Costa descalçar

No tempo de José Sócrates, o PS transmitia a ideia de um partido unido e coeso.

Mesmo na recta final, poucos socialistas se atreviam a dizer que o caminho estava errado.

Lembro-me de ouvir Correia de Campos, Vera Jardim ou Augusto Santos Silva, enfim, pessoas com idade e estatuto para falarem pela sua cabeça, fazerem uma defesa acérrima de Sócrates quando já se adivinhava a catástrofe, atacando ferozmente os que ousavam criticá-lo.

Ao mesmo tempo que isto sucedia, o PSD dava mostras de uma tremenda divisão.

O partido estava partido aos bocados, com cada um a falar para o seu lado – e mesmo os barões e baronesas, que deveriam pôr água na fervura, só aumentavam a cacofonia.

Escrevi na altura que dificilmente o PSD poderia ser Governo, porque não havia uma ideia, nem um rumo, nem uma vontade comum.

Chegou a dizer-se que o PSD corria o risco de acabar.

Pois bem, hoje o PSD parece razoavelmente unido (Passos Coelho conseguiu meter Manuela Ferreira Leite, Pacheco Pereira e António Capucho num gueto) e o PS é a imagem da divisão interna.

Há três temas que dividem os socialistas de alto a baixo.

O primeiro é a Grécia.

Num dia, António Costa diz que não se pode “diabolizar a Grécia” – e no dia seguinte afirma que o Governo grego foi de uma “imprudência enorme”.

Dá uma no cravo e outra na ferradura, para agradar a todos.

Mas o resultado é que não agrada a ninguém.

A extrema-esquerda diz que o PS não é de fiar e está feito com os credores – a direita sugere que o PS quer fazer em Portugal o mesmo que o Syriza.

E as filas em Atenas não ajudam nada.

Mesmo aqueles que têm simpatia pelos gregos não querem passar pelo mesmo que eles.

De um ponto de vista puramente eleitoral, Paulo Portas é muito mais eficaz ao dizer “Portugal não é a Grécia” do que António Costa quando acusa o Governo português de dificultar a vida ao Governo grego.

‘Com o mal os outros, podemos nós bem’ – lá diz o ditado.

O segundo tema que divide o PS é José Sócrates.

António Costa quer separar as águas, dizendo que não se mete nas questões judiciais – enquanto Sócrates repete cada vez com maior insistência que é um “preso político”.

Costa tenta desesperadamente evitar que a prisão de Sócrates contamine o PS – enquanto Sócrates se indigna pelo facto de o PS não se envolver a fundo na sua defesa.

Neste momento já é notório o conflito entre ambos – e o verniz pode estalar a qualquer momento.

Um companheiro de Sócrates na prisão revelou que este se riu com a derrota do PS na Madeira.

E os socráticos, que contribuíram poderosamente para a vitória de António Costa sobre António José Seguro, já não estão incondicionalmente com ele.

O terceiro tema que divide o Partido Socialista é Sampaio da Nóvoa.

E divide-o por duas razões.

Por um lado, Nóvoa não é do PS – e muitos socialistas acham que um grande partido tem de ser capaz de produzir internamente um candidato presidencial.

Por outro lado, Nóvoa ‘descentra’ o PS, ou seja, puxa-o para a esquerda, já que na maior parte dos assuntos fracturantes (como a reestruturação da dívida portuguesa ou a Grécia) tem posições à esquerda do Partido Socialista.

A colagem do PS a Sampaio da Nóvoa, que chegou a estar iminente – com Mário Soares, Jorge Sampaio, Carlos César, etc. a declararem o apoio ao candidato -, teria como efeito entregar todo o centro político à direita, facilitando a vitória eleitoral da coligação.

Grécia, Sócrates, Nóvoa. Eis um triângulo que pode tornar-se para o PS um autêntico triângulo das Bermudas.

Se as coisas na Grécia não se resolverem ou se complicarem mais do que estão, a vida começará a ficar complicadíssima para o Partido Socialista.

Até porque as pessoas começarão a pensar que, afinal de contas, o Governo português não conduziu as coisas tão mal como isso, pois nunca tivemos filas no multibanco, nem racionamento de levantamentos, nem limitações drásticas às saídas de dinheiro, etc.

Quanto a Sócrates, o ex-primeiro-ministro é um homem imprevisível e se, por acaso, saísse da prisão antes das eleições, seria uma grande dor de cabeça para o PS – porque não calaria as críticas aos que, em seu entender, não o apoiaram como deviam.

Finalmente, vamos ver se continuamos a ter socialistas ilustres a apoiar Sampaio da Nóvoa e outros a jurar que nunca votarão nele.

São três botas muito difíceis para António Costa descalçar… e que ajudam a perceber os seus constantes ziguezagues.

Yanis, playboy insolente

A esquerda precisa de heróis. Como é utópica, precisa de pessoas que a façam sonhar.

Nem todos os heróis são iguais: há os maiores e os mais pequenos, mas todos correspondem à mesma necessidade.

Um dia é Mandela, outro dia é Xanana, depois é Obama, a seguir é Hollande – e ultimamente era Yanis Varoufakis.

Varoufakis era o homem que ia pôr a Europa em sentido.

Agora que saiu, é uma espécie de mártir da resistência grega.

Na pressa de o endeusar, a esquerda nem quis ver que Yanis não correspondia de todo ao paradigma do homem de esquerda, parecendo mais um playboy dos tempos modernos.

Gostava de aparecer, surgia nas reuniões de camisa aberta, deslocava-se numa potente moto e tinha prazer em mostrar-se com a mulher nas revistas.

Em Bruxelas, diz-se que dava lições aos seus colegas das Finanças, com a arrogância dos convencidos.

Varoufakis não se apercebia do ridículo da situação: ele, que nos últimos seis meses contribuiu para enterrar o que restava do sistema financeiro e da credibilidade internacional da Grécia, é que dava lições aos outros…

Pior.

Indo a Bruxelas de mão estendida pedir dinheiro emprestado, Varoufakis passava a vida a insultar os credores!

Parece mentira mas é verdade: ele chamava nomes aos mesmos a quem pedia dinheiro.

Nunca se vira uma coisa assim.

Claro que os outros disseram ‘Basta!’.

Agora, a esquerda afirma que Varoufakis teve um ‘gesto nobre’, pois demitiu-se para facilitar a vida a Tsipras.

Bendita ingenuidade!

A história passou-se ao contrário: os parceiros da Zona Euro é que avisaram Atenas que com Varoufakis não falariam mais.

E Tsipras, o primeiro-ministro, não teve outro remédio senão ceder – apontando ao ministro das Finanças a porta de saída.

Varoufakis não saiu pelo seu pé – foi empurrado.

Só que esta comédia já foi longe demais – e agora é capaz de ser tarde.

O Governo do Syriza fez tudo ao contrário do que deveria ter feito.

Quando era preciso tranquilizar os aforradores, assustou-os – provocando fugas brutais de dinheiro dos bancos.

Quando era preciso atrair investidores, afugentou-os.

Quando era preciso conquistar a confiança dos credores, hostilizou-os.

Quando precisava da solidariedade dos seus parceiros europeus, desrespeitou-os.

Fazer pior era difícil.

jas@sol.pt

Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 10/07/2015