Martins da Cruz: ‘Governo tem 12 dias para lançar uma boa ideia’

O antigo assessor diplomático de Cavaco e ministro de Durão Barroso desdramatiza a hipótese de uma coligação PS/PSD/CDS. Acha que, tal como a actual, terá de se reger pela batuta do país que manda na Europa, a Alemanha.

Foi ministro no ano em que o euro começou a circular. Como viu e vê agora a moeda única?

O euro foi um projecto de esperança para toda a Europa. Foi a resposta à queda do muro de Berlim e à reunificação da Alemanha. Correspondia a um horizonte de esperança. Infelizmente, a Europa hoje já não é um horizonte de esperança para a generalidade dos europeus e dos portugueses. E sobretudo para a juventude.

O que correu mal?

Aconteceu uma crise de consequências inesperadas para toda a geração que tinha estado na criação e na consolidação da Europa. A queda do Lehman Brothers trouxe uma crise que começou por ser financeira, depois foi económica, depois foi social e política e estratégica. E ainda não saímos dela, como se vê com o caso da Grécia. A Europa pela primeira vez conheceu os seus limites.

O euro está em causa ?

Espero que não. E espero que a Grécia continue no euro.

Há mecanismos para que funcione?

O caminho faz-se caminhando. O euro era uma experiência nova. Já tinha havido moedas que tinham estado em quase toda a Europa, por exemplo, o cistércio do Império Romano.

Governado apenas por Roma…

Sim. É a primeira vez na História da Humanidade que há uma moeda partilhada por uma organização que vai para além de uma mera organização internacional como a Europa. A criação do euro é uma ideia de génio para forçar a Europa a integrar-se. Não estava era tudo previsto.

O euro é possível sem mais transferência de soberania para a UE?

Prefiro a expressão ‘partilhar a soberania’. Vai ser preciso o chamado ‘Governo do Euro’, reforçar os mecanismos de maior partilha de decisões e consequências. Isso significa mais federalismo.

Se a crise do euro criar uma Europa a duas velocidades que riscos corre Portugal?

Somos um país duplamente periférico. Somos periféricos em relação à Península Ibérica e em relação à Europa e temos de estar permanentemente a lutar contra essa periferia. Se não conseguimos estar nos núcleos duros, e a Espanha estiver porque tem dimensão para estar, passa a ser a Espanha que fala por nós na Europa. E eu não sei se os decisores políticos e económicos em Portugal estão conscientes do que se pode passar se Portugal não estiver nos núcleos duros da Europa.

O que é que pode levar Portugal a ficar nessa situação?

Não ter capacidade, economia ou vontade política para estar nos núcleos duros. Ou então os outros não nos quererem. Já há muitas decisões na Europa que são tomadas pelos seis maiores.

Ou pelos dois maiores…

O eixo Berlim-Paris é hoje em dia teórico. De vez em quando, a senhora Merkel deixa o senhor Hollande dizer umas coisas. E essa é uma das questões negativas na Europa de hoje. A Alemanha manda. Provavelmente de uma maneira enviesada, Merkel vai lembrar à França que não está a cumprir os critérios do Tratado de Maastricht, que criou o euro, critérios esses que a própria França impôs porque tinha medo da Alemanha reunificada tivesse inflação e derrapasse. Desde que começou a crise em 2007, nenhum governo, à excepção da senhora Merkel, ganhou eleições…

Isso vai acontecer em Portugal? A maioria vai perder?

Não faço ideia. Sei que estão tecnicamente empatados. O que me surpreende é que o PS não esteja oito ou 10 pontos acima da coligação nas sondagens.

O que pode fazer a diferença?

A percepção que os portugueses têm das propostas dos partidos. Como 99,99% não lê os programas eleitorais, como é que têm a noção do que lá está? Ou pelo que escutam na televisão ou lêem na imprensa ou pelo que dizem os líderes dos partidos.

Vota-se pelo que dizem os líderes ou por protesto?

Tudo conta. Também se vota com a carteira. Mas também se vota muito em quem souber criar expectativas. O Governo tem 12 dias, até ao final do mês, para lançar uma boa ideia. Porque dizem as regras da política que é preciso ter uma boa ideia ou um factor de esperança antes de as pessoas irem de férias. Tanto mais que a campanha vai começar durante as férias.

O que é que é melhor? Um governo de maioria absoluta, seja ele qual for, ou um governo minoritário da coligação, que creio que apoia?

Em Portugal normalmente preferem-se governos de maioria absoluta, mas já tivemos vários governos de coligação. Aliás, dentro do arco da governação já foram experimentados todos os modelos: PS/CDS, PS/PSD e PSD/CDS, como actual e o de Durão Barroso.

E se for preciso fazer um governo PS/ PSD/ CDS?

Porque não? Acho que é possível.

Não seria a morte da política?

A política em democracia nunca morre. É difícil, porque a situação política em Portugal está demasiado crispada. As pessoas e os políticos insultam-se com demasiada facilidade. E o facto de haver eleições presidenciais a seguir e estarmos numa situação em que cada vez que se dá um pontapé numa pedra salta um putativo candidato presidencial ainda crispa mais a situação – vão começar também esses a sublinhar os traços negativos das outras eventuais candidaturas. Os portugueses têm de se habituar a ter coligações ou mesmo governos minoritários, como já tivemos. Guterres governou em minoria e governou bem.

O facto de nem Guterres nem Durão serem candidatos torna menos interessantes as presidenciais?

Durão Barroso e Guterres são os portugueses mais bem preparados para serem Presidentes da República. Mas se não querem, não os podemos empurrar com uma baioneta. É pena. No cenário de não haver um governo maioritário, vamos precisar de um Presidente que tenha a capacidade e prática política para gerar consensos. Os portugueses ainda vão ter muitas saudades de Cavaco Silva, o único político português que foi dez anos primeiro-ministro e dez anos Presidente da República.

Cavaco causa muitas vezes polémica com o que diz. Esteve bem nas declarações sobre uma eventual saída da Grécia?

Tinha toda a razão. Se a Grécia sair são 18 menos um. Não saiu agora. Tem a certeza de que não sai até ao fim do ano? Cavaco quis passar a mensagem de que o euro é um projecto tão forte que sobrevive mesmo que um membro saia. Voltando atrás, creio que a Alemanha fez o teste aos mercados para a saída da Grécia do euro. Torna pública a proposta de saída da Grécia durante 5 anos, passam-se 48 horas antes do Conselho e o euro não vem por aí abaixo nos mercados. Se a Grécia daqui a 3 ou 4 meses não cumprir, e não vai cumprir porque é impossível que o faça, a Alemanha avança outra vez e provavelmente antes do fim do ano vamos ter a Grécia fora do euro.

Em que situação é que isso deixa Portugal?

Vai-nos obrigar a reganhar credibilidade nos mercados e nos centros de decisão mundial, na Europa e fora da Europa.

Isso faz-se com mais austeridade?

Faz-se com as regras que vai ser necessário cumprir e que não dependem de nós.

Os portugueses vão votar num Governo novo que seguirá as regras da Alemanha?

Não seguem já? Em política externa, de um ponto de vista táctico, o Governo fez bem em privilegiar as relações com a Alemanha – que é quem manda. Do ponto de vista estratégico, fez mal em não ter promovido as relações com os EUA. O primeiro-ministro, em quatro anos, nunca se sentou na Sala Oval da Casa Branca.

E com o problema das Lages…

E depois admiram-se que haja as Lages! O novo rei espanhol já foi aos EUA e tem prevista outra viagem. E depois admiram-se que os EUA reforcem as bases no sul de Espanha.

De todos os nomes de que se fala para as presidenciais qual lhe merece mais confiança?

Desta nuvem de candidatos apetece-me dizer ‘prognósticos só depois do jogo’. Concordo com o primeiro-ministro quando diz que só fala de presidenciais depois das legislativas. É bom para o eleitor separar as duas coisas, porque provavelmente vai votar no futuro PR em função do governo e do panorama político que se decidir.

Que apreciação faz do actual Governo?

Encontrou circunstâncias muito difíceis. Será que se fosse outro governo teria andado por outros caminhos? Provavelmente. Mas a margem era muito estreita. Até porque o PSD, o CDS e o PS, quando está no governo, governam muito pouco por questões ideológicas. O Governo cometeu vários erros. Mas outros não os teriam feito? Vamos julgar é o resultado.

Qual foi o seu maior erro?

A falta de capacidade de comunicação. Às vezes víamos no mesmo telejornal membros do Governo com mensagens contraditórias. E isso é a pior coisa porque baralha o eleitorado.

Saiu do Governo após uma polémica. Há demasiada pressão sobre os políticos?

Os políticos não têm o tempo que gostariam para reagir às situações. O que vejo de negativo nesta realidade é que cada vez mais a política vai ser para políticos profissionais, que não sabem fazer mais nada.

E os independentes são cada vez mais os trunfos dos governos.

São, porque cada vez que aparece um político na televisão o povo diz ‘aqui está este malandro’ e os partidos pensam que os independentes deixam de ser malandros. Mas só não são malandros durante 15 dias, a sua virgindade dura 15 dias.

Notícias recentes dão a ideia que as embaixadas são usadas para colocar pessoas quando acabam os Governos. É verdade?

O primeiro-ministro disse, e com razão, que os anteriores governos de outra cor política tinham feito exactamente a mesma coisa.

Mas não é isso que está em causa.

Um governo em funções tem legitimidade total para nomear quem quiser para os cargos diplomáticos. O que se devia perguntar é quem vai para o posto é competente. Se está preparado porque não há de ser nomeado?

Como vê a ideia do PS e do PSOE de representações diplomáticas conjuntas de Portugal e Espanha?

Foguetório eleitoral. A partir de 1986 Portugal e Espanha passaram a ter os mesmos objectivos estratégicos. Seria terrível para Portugal que em Washington, em Moscovo ou em Pequim a percepção destes dois países se confunda.

Voltando à Grécia. Tsipras é agora um adepto da real politik ou vai voltar aos ziguezagues?

Tsipras é um político de pacotilha. E o ziguezague existe na cabecinha dele. Não sabia o que queria, não sabia ao que vinha e não sabe o que quer. E não percebeu que a Europa se constrói na base de consensos e não de rupturas. O espectro político em que foi desenhada e consolidada exclui os extremos. Para continuar no euro e na Europa, Tsipras abandonou práticas políticas de extrema-esquerda e entrou na formatação europeia. Porque senão a Europa acaba. Já imaginou o que seria Marine Le Pen, de um partido protofascista, no Governo em França? Os franceses têm que se dar conta que se a elegerem se estão a auto excluir do projecto europeu. As diversas cambalhotas de Tsipras provam exactamente isto.

Como comenta a política da União Europeia para os refugiados?

Não há política, o que há é um apagar de fogos. Talvez porque a Europa não se tenha aprofundado suficientemente e os nacionalismos vêm sempre ao de cima. Não vai haver solução porque a solução é desenvolver os países de onde vêm os refugiados. Mas como é que se desenvolvem países que estão em guerra civil? Alguns tiveram a ideia bizarra de ir bombardear as barcaças, o que só passa pela cabeça de um louco. Não percebo como é que a Europa não deu já uns sérios avisos ao Presidente da Hungria, que ainda ousa fazer um muro com 165 km. O que ali se passa é uma vergonha. Todos temos de partilhar os custos com os refugiados, porque é que há-de ser só a Grécia e a Itália?

margarida.davim@sol.pt e teresa.oliveira@sol.pt