Adriano Moreira: ​‘O Estado social esteve esquecido nos últimos anos’

Foi ministro de Salazar e é uma referência da democracia. Defende que faltam “grandes estadistas capazes de reformar as instituições”. O antigo líder do CDS alerta que o Governo foi além da política da troika e diz-se surpreendido com a reacção dos portugueses às dificuldades que viveram.

Que balanço faz destes últimos quatro anos?

Sabe, os últimos quatro anos são uma parcela minúscula do tempo que já decorreu desde 1974. Digamos que a nossa circunstância não diferiu muito: precisámos sempre de apoio externo. A 1ª Dinastia precisou do apoio do Papa, a segunda da aliança inglesa e por aí adiante. A globalização não alterou o paradigma, obrigou-nos quanto muito a procurar uma nova definição. O que torna ainda mais evidente a necessidade de uma nova reforma do Estado. O nosso Estado é exíguo, tem recursos inferiores aos objectivos que assume e desenvolve – um problema. Nos últimos tempos a nossa circunstância variou de uma maneira radical, com sacrifício enormíssimo da população que atingiu a fadiga tributária e níveis altos de desemprego. A isto acresce políticas contrárias ao Estado Social.

Quais são os grandes desafios que se nos colocam?

É necessário que a Europa seja de facto uma unidade forte, que existam limitações éticas ao mercado (que é essencial para o funcionamento da economia), não pode ser um credo autossuficiente e sem regras. Também é absolutamente necessário alcançar um equilíbrio que seja possível não abandonar o Estado Social. Podemos reconhecer que não há recursos, mas isso não implica que não haja princípios.

O Estado Social esteve seriamente ameaçado nestes últimos anos?

Esquecido até. Nos momentos graves é melhor não esquecer os princípios, mesmo que não haja recursos.

Faltam políticos capazes de mudar o mundo?

Os homens que organizaram a Europa viveram duas guerras mundiais, tinham uma experiência real. As novas gerações quiseram organizar a Europa de acordo com uma longa teoria de projectistas da paz. Essas vozes eram como que vozes encantatórias. No mundo que estava colonizado e deixou de estar também apareceram, Gandhi ou Mandela são disso exemplo. Não temos essas vozes encantatórias neste mundo. Precisávamos realmente de ter grandes estadistas capazes de reformar as instituições.

Os sacrifícios que foram pedidos aos portugueses valeram a pena?

Espero que seja um dos temas da próxima campanha eleitoral. Mas é inegável que a política da troika foi cumprida, até mesmo para lá do que nos pediram. Foi um dos momentos em que senti maior humilhação como cidadão. Um período em que vi ministros portugueses a discutir com empregados de três organizações, sabendo que nós temos empregados que têm tanta ou melhor categoria científica e técnica do que os que nos vinham visitar.

A forma como os portugueses reagiram à crise surpreendeu-o?

O país deu provas de um civismo espantoso. Aceitou sempre ainda que protestando naturalmente mas em paz. O que caracteriza os portugueses é a comunhão de afectos que é contrária à violência. 

Em que é que os portugueses devem ponderar na hora de exercer o voto?

As eleições não são um espectáculo, mas uma escolha profundamente responsável. As pessoas não devem votar na imagem, devem escolher valores e capacidades.

Que balanço faz do governo liderado por Passos Coelho?

Passos Coelho é uma pessoa honesta, dedicadíssima ao interesse público, mas que governou no pressuposto de que o único caminho de salvação era o da troika. Nisso foi rigoroso e o preço que a população pagou é terrível. A essa persistência dele correspondeu o tal civismo dos portugueses.

PSD e CDS devem poder governar mais quatro anos? Tendo em conta que agora será sem a troika?

Se reformularem os programas, é esse o meu ponto. Os programas têm de ser reformulados para o mundo que está aí, que está em perigo, o tal princípio da Terra como casa comum. Esses princípios não eram os que estavam em causa em 1974 e vamos ter eleições sem a Reforma do Estado na agenda, um tema sempre prometido e sempre adiado. A social-democracia ou a democracia-cristã já não a mesma coisa. 

Ideologicamente onde se situa?

Na doutrina social da Igreja, mantenho-me fiel a isso, a democracia cristã foi quem fez a Europa, a União praticamente desapareceu dos programas. Este Papa Francisco anda a ver se reanima esses valores…

É sabido que Paulo Portas tem por si uma grande estima e tem em si um conselheiro.

Não sou conselheiro de ninguém. Gosto de o ouvir, sou amigo dele.

O que se pode esperar do secretário-geral do PS, tendo em conta o seu perfil?

O que se pode esperar dele é autenticidade, o perigo da Europa neste momento é a falta de autenticidade. Os partidos não praticam os programas com que são eleitos.

Há espaço para os fenómenos políticos emergentes, como por exemplo o partido de Marinho Pinto?

As movimentações da sociedade civil são enormes e mostram que quer uma mudança. É natural, portanto, que apareçam tentativas de partidos. Mas prognóstico não lhe posso fazer.

A relação com a sua filha Isabel, deputada do PS, ajuda-o a compreender melhor estes fenómenos?

Tenho uma vida de cerca de 50 anos de professor e nunca perdi o amor à juventude. E o facto de ser minha filha ajuda a superar todas as possíveis divergências.

As pontes entre os dois são fáceis de atingir?

Conversamos sobre todos os problemas, liberdade total de opiniões e amor constante, inviolável.

É mais fácil fazer um consenso com a sua filha ou entre a Europa e a Grécia?

Acho que o consenso entre a Europa e a Grécia está dependente de um consenso da Europa consigo própria. A Grécia tem que se subordinar como qualquer país da União Europeia às regras da União Europeia. O problema da Grécia não é só financeiro, é estratégico. A segurança da Europa e do Ocidente está muito dependente da Grécia geograficamente… 

Pensa no risco das alianças, nomeadamente com a Rússia…

É evidente. É um problema geopolítico. Por isso se explica que pela primeira vez o Presidente Obama se tenha metido no assunto, ele percebeu o que estava em causa. Lembrar-se-á certamente do discurso do senhor Putin pouco antes do conflito com a Ucrânia, o discurso dele foi feito sobre a águia bicéfala rodeado de generais rigorosamente fardados, cheios de medalhas. Aí declarou que as fronteiras de interesses da Rússia são mais vastas do que as fronteiras geográficas, ele avisou, não se esqueceu de que a sua matriz é imperial.

sofia.rainho@sol.pt