No balanço que faz destes anos de Passos Coelho à frente do Governo destaque, que aspectos positivos e negativos destaca?
Todas as tentativas que já se sabia que eram claramente anticonstitucionais que o Governo faz, refaz e insiste, querendo ter uma questão no Tribunal Constitucional, estão profundamente erradas. Outra crítica que faço é o facto de não se ter cuidado de fazer reformas de carácter político com mais energia, mais seriedade e mais preparação. A reforma do Estado e da administração pública ficou no caixote do lixo, menos as contribuições impostas. Aí as reformas foram constantes, tratava-se de ir buscar dinheiro. A reforma do sistema eleitoral, que é absolutamente indispensável, também ficou para trás. A Justiça tem feito muito barulho, mas é dos sectores que realmente não avançou. Houve umas reformas epifenomenais aqui e acolá, o novo mapa dos tribunais, mas tudo muito solto, muito precário, muito errático.
Essa foi uma tarefa muito concentrada nas mãos de Paulo Portas, primeiro como ministro dos Negócios Estrangeiros e depois enquanto vice-primeiro-ministro.
Não vou discutir cargos pessoais, mas houve duas coisas que se fizeram: uma foi os ‘vistos dourados’, e isso não é real investimento, é um disfarce. Há a compra de casas já feitas, muitas vezes não se sabe bem por quem, nem como. Infelizmente, também houve episódios menos simpáticos do ponto de vista moral e político, das pessoas a quem foi dado e como foi dado. Há hoje gente na cadeia por causa disso. O outro tipo de ‘investimento’ foi o de algumas privatizações. Foi puramente comprar o que estava feito. Privatizou-se na energia, nos petróleos, nas redes de caminhos-de-ferro, nos aviões, na rede eléctrica, e mais umas coisas. O Metro e a Carris estão a ser privatizados a correr, em cima da hora das eleições.
Consegue dar alguns aspectos positivos?
Temos mercado, estamos com taxa de juro aceitável, muito mais reduzidas, acho que isso foi bom. Também acho que o Governo, em alguns aspectos que envolviam mais facilidades demagógicas, reagiu com alguma teimosia e disse não – e fez bem. Por outro lado, também concordo com a maneira como o ministro da Saúde, por exemplo, tem reagido. Ainda há filas de espera, e haverá eternamente, mas houve um período em que o ministro estava de manhã à noite a ser bombardeado, em 90% dos casos por políticos dos vários partidos que arranjavam todas as maneiras através dos sindicatos, da Ordem dos Médicos e dos enfermeiros. E ele resistiu. Melhorou na gestão de algumas coisas, acho que teve um comportamento que merece elogio.
E olhando agora para António Costa, líder do PS, que se candidata a primeiro-ministro…
Está a entrar em áreas em que não vai ter muita sorte com as minhas respostas. Sobre Passos Coelho falo sobre obras feitas, em relação a António Costa a única coisa que posso dizer é que ele ganhou o partido, mais nada. Quanto ao que ele diz, eu já o ouvi dizer coisas adequadas, contundentes, sérias, e também já o ouvi dizer coisas puramente de demagogia eleitoral.
E acha que havia alternativa para algumas coisas que foram feitas e tiveram essas consequências menos positivas?
Eu acho sempre que há alternativas para tudo na vida. Eu teria feito um programa mais longo, em vez de três anos, teria feito um programa de quatro ou cinco. Podiam dizer que isso era mais austeridade, mas era mais em tempo e menos em quantidade. Talvez fosse mais suave em cinco anos. E teria prestado mais atenção ao desemprego. Devem ter pensado ‘a Espanha também tem 25% de desempregados já pela segunda ou terceira vez, nós também podemos chegar lá e depois voltar para trás’. Foram assuntos tratados com leviandade. Em relação à Justiça, tinha seguido uma alternativa completa. Do que até agora o PS produziu eu já vi sinais de que havia alternativas, mas são alternativas muito pontuais. Pelo que eu sei, não creio que o PS tivesse feito muito diferente.
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