Que balanço faz do estado da nação hoje e dos últimos quatro anos?
Foi dos períodos mais difíceis da nossa história do ponto de vista social, económico, cultural e moral. Não sei se toda a gente se dá conta de que foi assim, pois há uma parte da classe média-alta, da classe alta e até mesmo do grupo dos trabalhadores que mantiveram os seus empregos e as suas famílias. Eu creio dar-me conta porque observo, mas não posso dizer que tenha sofrido. Houve muitas famílias sem emprego. Nas últimas décadas, houve momentos complicados durante o PREC, houve situações de insegurança, de medo, mas foi um período mais curto e havia uma tensão política no ar, toda a gente estava a dar o seu melhor. Nestes quatro anos, não houve isso: houve greves e agitação social, mas não essa tensão, foi uma coisa quase subterrânea.
Que impacto social teve na vida dos portugueses?
Enrijeceu muita gente, quem conseguiu resistir ficou com mais força, muitos ficaram com mais realismo. Os portugueses viveram anos de uma grande euforia de direitos: o poder económico, o nível de vida, o acesso a tudo, os empregos, tudo aumentou. Foram 20 ou 30 anos desde os anos 60, não foi só depois do 25 de Abril. A Revolução completou do ponto de vista político, social e cultural o que os anos 60 tinham iniciado do ponto de vista económico. E ao fim desse tempo criou-se uma espécie de clima de facilidade, houve um deslumbramento, uma euforia – casas de férias, viagens ao estrangeiro, os eletrodomésticos, havia tudo. Estes cinco anos foram uma enorme chamada de atenção, muito séria. Já tinha havido um período ou dois nos anos 80, mas muito pequeninos.
António Barreto: ‘Sem a troika estaríamos numa desgraça total’
Acho que sim, mas muitas coisas foram erradas e mal feitas. Valeu a pena porque estávamos na bancarrota. Podemos procurar saber quem foram os culpados, se foram os governantes, se foram as classes altas, se foi a Europa, se foi a sr.ª Merkel, podemos procurar tudo e mais alguma coisa, mas nós estávamos na bancarrota. E se não tem havido este período da troika, da assistência financeira e de alguns dos programas que foram levados a cabo, estávamos na miséria e na desgraça total, e talvez nem tivéssemos liberdade sequer, nem um governo de democracia hoje se fossemos verdadeiramente para a bancarrota.
E quais foram as coisas erradas?
O Governo não foi suficientemente selectivo e flexível para melhor escolher onde bater (no fundo era disso que se tratava: onde fazer cortes e como fazê-los). Houve cortes – feitos em certos pensionistas, pessoas doentes, idosos e desempregados – que foram muito a eito, porque era mais fácil. E em alguns sectores continua a haver desperdício, como na Educação. Há 15 anos, já tínhamos atingido a mais alta percentagem do PIB na Europa. Tínhamos começado cá por baixo no antigo regime, com 1 %, mas tínhamos chegado aos 6 ou 7 %. E esse desperdício via-se até em coisas demográficas. Havia gratuitidade a mais, a meu ver, agora já não, já muita coisa foi corrigida. Mas na Ciência já penso que foi errado. A despesa na Ciência exige um continuum, tem que se investir porque há investigadores a trabalhar, experiências a ser feitas – químicas, físicas, biológicas, de engenharia, de electricidade, de informática, ou até nas humanidades e no social. Não podemos cortar uma geração de investigadores e depois começar daqui a 10 anos.