Costa arriba

Ao minuto 62, ou algures por aí, Judite de Sousa teve um rebate: “Não podemos continuar a falar do passado”. Faltava meia hora para o fim e, até então, nada de novo. Com a complacência dos entrevistadores, Passos Coelho tinha contado ao pormenor a conhecida história da bancarrota e da pesada herança deixada pelo engenheiro…

Judite tinha razão. A um terço do fim, o debate histórico e decisivo, aquele que, segundo o prometido, iria, finalmente, esclarecer os indecisos acerca do futuro e determinar quem será o próximo primeiro-ministro era um debate falhado; um debate em que cada interveniente não fazia mais do que repetir o discurso conhecido, aquilo a que chamávamos ‘cassete’ no tempo em que havia ‘cassetes’. O terço restante foi uma cavalgada sobre os temas quentes – segurança social, impostos, desemprego, saúde, BES -, com os entrevistadores obcecados com a falta de tempo e decididos a tratar todos os assuntos de qualquer maneira para cumprir a agenda.

Um frente-a-frente como este ganharia se tivesse um só moderador capaz, em vez de três entrevistadores-vedetas necessariamente apostados em mostrar serviço e fazer sentir a sua presença. Resta saber se, neste modelo que nos reconduziu durante uma hora e meia ao tempo do canal único, alguma vez as três televisões se entenderiam para chegar a um nome comum.

Passos começou tranquilo e, na aparência, convencido de que lhe bastava invocar a herança e o fantasma de Sócrates para inibir o adversário. Chegou a dizer de Costa e Sócrates que “são os dois iguais” e que “as pessoas olham para si e veem o regresso ao passado”. Erro crasso. Logo na primeira intervenção, Costa soltou um sonoro “não cumpriu”, sobre o balanço dos últimos quatro anos, e, dali em diante, manteve-se ao ataque.

Tenso e demasiado agressivo a princípio, foi sempre mais afirmativo e frontal, quando não brutal nas acusações ao adversário (“As pessoas sabem bem que eu não minto e cumpro mais do que prometo, ao contrário de si”). Distanciou-se do socratismo e   afirmou   até   que   é   Passos  Coelho quem tem saudades dele, embora lhe tenha ficado mal omitir ostensivamente o nome do ex-primeiro-ministro quando falou dos últimos governos desde Guterres, nomeando cada um dos chefes.

Todo o discurso de Costa obedeceu a esta orientação: pôr em causa a credibilidade política e pessoal de Passos, à luz do que prometeu e do que veio a fazer, obrigando este a justificar-se ou a mudar de assunto, quase sempre para o passado. Sendo tantos os casos, desde a campanha anterior, em que o atual primeiro-ministro disse uma coisa e fez o contrário, os ataques de Costa, que também agora lhe atribui um programa escondido, só podem ter causado danos. 

O líder do PS ganhou, pois, o debate. Daí a saber se ganhou votos vai alguma distância. Mas debates como este são um pouco como as sondagens: valem menos pelo que dizem do que pelo que se diz sobre eles.

Sendo a opinião geral positiva, como se viu logo na noite de quarta-feira, Costa pode ter anulado em grande parte os efeitos de uma pré-campanha frouxa e desastrada. Não é coisa pouca.