Alexandre Quintanilha: ‘Ser ministro é uma não questão. Nem discuti isso com Costa’

O cientista, que já participou em manifestações contra o apartheid na África do Sul, a guerra no Vietname e Reagan, está entusiasmado por voltar à rua e com a esperança que sente nas pessoas. Alerta que é preciso travar a ida de jovens altamente qualificados para o estrangeiro e critica o plafonamento na Segurança Social…

O cientista, que já participou em manifestações contra o apartheid na África do Sul, a guerra no Vietname e Reagan, está entusiasmado por voltar à rua e com a esperança que sente nas pessoas. Alerta que é preciso travar a ida de jovens altamente qualificados para o estrangeiro e critica o plafonamento na Segurança Social proposto pela coligação.

Qual é a medida mais urgente para o Porto?

Nesta altura, a questão mais premente é travar a privatização dos nossos transportes públicos. Há uma pressa injustificável, que vai contra a opinião de especialistas e dos autarcas, e até dentro da maioria de direita. Isso deve-nos levar a questionar o processo. Devemos também olhar para a experiência desastrosa da privatização dos transportes no Reino Unido, que trouxe o caos no funcionamento do metro e dos caminhos de ferro.

E a mais urgente para o país?

Não sei se é a mais urgente, mas é a que sinto que tenho mais competência para falar: é preciso inverter a perda de jovens altamente qualificados que estão a ir para empresas e centros de investigação no estrangeiro, seja na Alemanha, Inglaterra ou EUA. Portugal conseguiu um desenvolvimento extraordinário na ciência e na educação, ultrapassando as médias da UE e da OCDE e chocou-me ver que foi a necessidade que levou muitos jovens a sair do país, por não acreditarem que aqui haja futuro para eles. Repare que não é que eu veja como negativo viver no estrangeiro – eu vivi 30 anos lá fora, aprendi imenso e acho até que todos os portugueses deviam poder estar uns cinco anos lá fora. A questão é a de terem de sair por necessidade. E é preocupante a incapacidade atual de Portugal atrair pessoas competentes – estrangeiros também – que acreditem que há um futuro aqui. Acrescentaria outra área de prioridade nacional: a Justiça. É preciso uma Justiça eficaz e credível para desenvolver uma cidadania participante e a democracia.

Qual foi o episódio que mais o marcou durante as suas ações da pré-campanha?

Foram tantos! Quando era mais jovem – tenho 70 anos – andei em movimentos estudantis, contra o apartheid, apanhámos pancada da polícia. Depois, nos EUA, manifestei-me contra a guerra do Vietname e contra o autoritarismo de Ronald Reagan, que foi governador na Califórnia, e também nos direitos gay, em S. Francisco. O que mais me impressionou na rua foi voltar a sentir-me como se tivesse 25 ou 30 anos. E ver a emoção das pessoas, ouvir as histórias de mulheres e homens que estão à espera que o país dê a volta. Com os olhos a brilhar. Há uma sensação que se apodera de mim, nas ‘arruadas’, e já andei em S. Tirso, em Matosinhos e no Porto. Uma sensação de esperança.

O PS consegue entender-se com a coligação PSD/CDS na busca de uma solução que garanta a sustentabilidade da Segurança Social?

Não sei responder a essa pergunta porque há diferenças ideológicas claríssimas entre os dois campos. A ideia de que quem tem salários mais altos possa pôr o dinheiro em contas privadas e não na Segurança Social é uma experiência que já foi feita – em 2008, um dia antes de falir, o Lehman Brothers estava com o rating mais alto de todos. E foi ao ar, levando as poupanças de muitos americanos. Já devíamos ter aprendido a ter cuidado com isto. O Governo português está a diminuir ‘o pote’ dos financiamentos para ajudar os que precisam, e isso questiona a sobrevivência da Segurança Social.

O Porto deve receber refugiados? E tem condições para isso?

Não sei se tem condições, sei que é um dever que nós temos. Todo o mundo ocidental tem obrigação de receber e acolher, é um movimento humanitário óbvio, até o Papa fala disso. E Portugal tem tradição histórica nisso, como na história do nosso cônsul em Bordéus, Aristides Sousa Mendes, que ajudou muita gente a fugir da barbárie nazi, contra as ordens de Salazar. Portugal também acolheu centenas de milhares de portugueses que voltaram de África a seguir ao 25 de Abril. Mais um argumento: não somos inocentes no que está a acontecer, pois as fronteiras do Médio Oriente e de África foram desenhadas pelos europeus. Não nos podemos espantar que haja conflitos étnicos.

Está disponível para ser ministro?

Não vai se vai acreditar, mas a minha aceitação para ser candidato a deputado não tem nada a ver com isso. Nem sequer discuti isso com António Costa, é uma não questão para mim.

Se não for para o Governo, compromete-se a cumprir o mandato de deputado até ao fim?

É óbvio. A não ser que a saúde não ajude. Na minha vida, há a minha saúde e a minha relação com o Richard  [o escritor Richard Zimler, com quem é casado]  – são as duas coisas mais importantes. Eu não deito fora uma construção de quase 40 anos e a minha vida de 70 anos. Felizmente, até agora, não tenho tido problemas de saúde.

Que opinião tem do seu adversário José Pedro Aguiar-Branco?

Não o conheço. Troquei talvez três palavras com ele, no Porto, num sítio onde estávamos juntos – conheço melhor o pai, por quem tenho muita consideração. No Governo, tem tomado posições com as quais não estou de acordo. Não sei se é bom advogado ou não, não conheço o trabalho dele. E também não sei o que fez para o Porto, o que construiu. Eu sei o que fiz: desenvolvi institutos de investigação que são reconhecidos por esse mundo fora e ajudei na construção de alguns dos melhores cursos da universidade do Porto.

manuel.a.magalhaes@sol.pt