Paulo Mota Pinto: ‘Era útil poder ter governo de iniciativa presidencial’

O governo de esquerda é para este ex-juiz do Tribunal Constitucional um «contrato com cláusulas-surpresa» para os eleitores. Recorda o Bloco Central – em que o seu pai foi vice-primeiro-ministro – como um momento em que o país foi posto «acima do interesse partidário». E lamenta que Cavaco Silva tenha descartado a hipótese de um…

Uma hora antes e a  500 metros do local do nosso encontro, o líder do PS surpreendera o país ao anunciar, que estava pronto para governar com o apoio do PCP e BE. Entretanto, relâmpagos e chuva forte pareciam sublinhar a mudança do tempo político, levando-nos também a procurar abrigo no interior da esplanada junto ao Padrão dos Descobrimentos. Paulo Mota Pinto tinha-se inteirado da novidade e a conversa começa com as suas dúvidas sobre a viabilidade de um governo de esquerda.

A aproximação do PS à direita seria para ele «a solução óbvia, a reclamada pela maioria dos portugueses», mas regista que os socialistas nunca aceitaram ser o segundo partido numa coligação, mesmo quando isso pode ser «um imperativo patriótico». Ao contrário do PSD, que com o seu pai, Carlos Mota Pinto, entrou num governo de Bloco Central liderado por Mário Soares, depois de negociar «meticulosamente» um conjunto de reformas estruturais. «Foi importante, num momento de crise, pôr os interesses do país acima do interesse partidário, e o PSD soube estar à altura», recorda.

Apesar de ser o segundo partido da aliança, o PSD conseguiu «liderar a mudança» e «não se saiu mal» nas urnas, pois foi reconhecido pelos portugueses com uma maioria absoluta. Uma historia com moral e um recado para António Costa, que pode ser penalizado por entrar numa aventura política que «não foi anunciada ao eleitorado». Mota Pinto, que voltou a ser professor de direito civil na Faculdade de Direito de Coimbra, diz que o líder do PS «é como como aqueles vendedores que apresentam um contrato que tem lá umas cláusulas-surpresa, condições em letras pequeninas no verso e que ninguém leu». Para ele, a quebra do arco da governação «é uma alteração quase revolucionária ao nosso sistema político-partidário», fundado em 1975 na superação do período revolucionário. A extrema-esquerda, vinca, até agora «combatia nas ruas as leis aprovadas no Parlamento».

Ainda assim, não subscreve a teoria do «golpe de Estado», bem cara a Manuela Ferreira Leite – porque há legitimidade constitucional num governo de esquerda. Espera porém que seja Passos Coelho a governar. «Foi a coligação que os portugueses elegeram» tanto mais que isso aconteceu «após uma governação difícil, mas em que no essencial foi feito o que tinha de se fazer». Não acompanha por isso muitas das críticas feitas à governação por Manuela Ferreira Leite (de quem foi vice-presidente no PSD). Dá mais um argumento para indigitar Passos: ainda que o novo governo de direita tenha morte anunciada, deve ser «dada a oportunidade a cada deputado de exercer o mandato de que é titular». Se os deputados vão cumprir a disciplina partidária é algo que está para se ver. «Desde 1975 que é ponto assente que a legitimidade do deputado não se funda na sua filiação partidária. Só pode ser expulso se mudar de partido».

A defesa do líder do PSD surpreende. Está longe de ser amigo do primeiro-ministro e até acabou excluído das listas para deputados nestas legislativas. Mas não guarda mágoa e até sentiu a saída do Parlamento «como uma libertação», como também em 2007, no final das funções de juiz do Tribunal Constitucional. Pôde regressar à atividade de jurisconsulto e às aulas. Durante o semestre de verão do próximo ano, poderá até passar a dirigir-se aos alunos em alemão, se aceitar um convite da Universidade do Sarre.

De volta ao mundo do direito, não se considera no entanto fora da política, «algo que é natural à vida» e continuará além do mais a ter funções públicas, na fiscalização das ‘secretas’, um cargo para o qual foi eleito pelo Parlamento em 2013. Espera, aliás, que o recente afastamento dos dois maiores partidos não inviabilize que a nova lei-quadro do sistema de informações, expurgada da inconstitucionalidade sobre o acesso a  registos de telecomunicações, volta a ser apresentada na Assembleia.

Nestes dias de indefinição governativa, Mota Pinto está preocupado com o que aí vem, mas «não  quer fazer futurologia». Se um novo governo de Passos cair às mãos da esquerda, julga que o governo de gestão não é solução para «um país que tem de tomar decisões importantes». O Presidente da República bem pode optar por dar posse a António Costa.

Gostaria que Belém dispusesse de outras alternativas e lamenta que o Presidente tivesse descartado, ainda antes das eleições, a hipótese de lançar mão de um governo de iniciativa presidencial. «Não há uma proibição constitucional dos governos presidenciais», defende, ao arrepio de muita doutrina jurídica. E «era útil poder ter a hipótese de um governo de iniciativa presidencial», se, mais à frente, o PR fosse confrontado com a falta de opções de estabilidade, ou por uma governação «que ponha em causa políticas fundamentais no contexto europeu» – numa altura em que não tem poderes para dissolver o Parlamento.

Voltamos ainda ao PS coligado à esquerda, a tal «solução politicamente ilegítima, porque não foi apresentada claramente ao eleitorado». Mota Pinto entende que o seu partido deve tirar daqui algumas conclusões: «O_PSD_deve afirmar-se como partido social-democrata e manter uma atitude que não dê álibis ao PS para procurar alternativas à sua esquerda».