Maria de Belém quer ser a ‘Presidenta Cavaco Silva’ de saias

1. Maria de Belém – a candidata que o PS ora acolhe, ora rejeita, ora volta a acolher, ora volta a rejeitar – deu, no fim de semana que passou, uma entrevista muito curiosa ao Expresso. Todavia, a entrevista passou despercebida, não merecendo uma única referência nos múltiplos espaços de comentário político que preenchem a…

2. Até a recomendação da ERC que exige à HOT TV a emissão de mais minutos de produção nacional pornográfica gerou mais discussão nos nossos canais televisivos que a primeira grande entrevista à candidata presidencial Maria de Belém. O que prova algo que já aventámos aqui no nosso espaço no SOL: a candidatura de Maria de Belém não aquece, nem arrefece o quadro das eleições presidenciais. É uma candidatura que estará a ser inviabilizada por António Costa, muito discretamente e pedindo subtilmente às pessoas certas. É uma candidatura que o espaço do centro-direita rejeita, pois o núcleo duro da candidatura de Belém é composto por socráticos da linha dura (José Lello? A sério, Maria de Belém?). Mais claramente: Maria de Belém é a candidata presidencial do socratismo (do PS da bancarrota) e de alguns guterristas (do PS do pântano). O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita: a candidatura de Maria de Belém nasceu torta – não se vai endireitar.

3.Posto isto, passemos à análise da entrevista. Na forma, Maria de Belém revelou-se atabalhoada, contraditória, muito longa em justificativas e um pouco ridícula na necessidade de pedir desculpa (ou no fingimento de pedido de desculpa) a António Costa. Há muito amadorismo na campanha de Maria de Belém – e na postura da candidata. Mais grave: o discurso redondo e atabalhoado revela um vazio de discurso gritante da candidata Maria de Belém. Diz coisas redondas e desgarradas – porque não tem nada para dizer.

4.E no conteúdo? No conteúdo, Maria de Belém surgiu com três novidades:

I) Grande novidade: Maria de Belém converteu-se ao cavaquismo, ou melhor, ao exemplo do Presidente da República Cavaco Silva. Na sua entrevista, no passado sábado, Maria de Belém rejeitou fazer qualquer reparo à atuação de Cavaco Silva – deixando, nas entrelinhas, um elogio à atuação do Presidente da República na gestão do processo de formação do Governo. Maria de Belém refere expressamente que, primeiro, nomeava o líder do partido mais votado que teria de apresentar o Orçamento no Parlamento (Maria de Belém enganou-se: queria dizer Programa de Governo…) – e só depois analisaria se um Governo de António Costa serviria os interesses de Portugal. Ora, Maria de Belém, crítica de Cavaco Silva nos últimos quatro anos, converteu-se agora, no período mais censurável do atual Presidente (todos os dias, comete asneiras…), ao cavaquismo! Se Maria de Belém fosse Presidente, faria de bom grado os erros do atual Presidente que estimularam a instabilidade política que agora vivemos! Ficamos esclarecidos. E esta mudança de Maria de Belém cheira a oportunismo: já que não tem o apoio de Costa, vamos lá tentar seduzir a direita;

II) Maria de Belém rejeita um Governo frentista de esquerda, excluindo o PCP e o BE. Belém, no seu discurso atabalhoada, não o refere expressamente: contudo, não deixa de dar o toque a Costa quando diz “o Presidente não tem de questionar as soluções que saiam do Parlamento, desde que elas cumpram todas as nossas obrigações internacionais”. Todas as nossas obrigações internacionais: desde a UE até à NATO. Isto é: ou o PCP e o BE mudam o seu posicionamento político – ou estão fora de qualquer arranjo de Governo. Mais uma vez, Maria de Belém adota o discurso de Cavaco Silva, tentando apelar ao coração da direita mais conservadora (representada, por exemplo, pela fação conservadora do CDS, liderada por Ribeiro e Castro);

III) Maria de Belém elogia – deve ser a única portuguesa – os discursos de Cavaco Silva e a sua postura desde o dia 4 de Outubro até hoje. É certamente a única portuguesa a fazê-lo. Dizia-se que Manuela Ferreira Leite seria a “Cavaco Silva de saias” – agora, Maria de Belém quer ocupar a sua posição. Belém quer ser a “Presidente Cavaco Silva de saias”;

IV) Por último, Maria de Belém elogia…imagine-se… Mário Draghi! Os socialistas, incluindo Maria de Belém, tanto o criticaram, tanto barulho fizeram alegando a sua falta de europeísmo e agora… Draghi é um exemplo de europeísta! O grande político da Europa! Mudam os tempos, mudam as necessidades, mudam as opiniões.

5.Enfim, uma entrevista muito infeliz de Maria de Belém. Com a agravante de optar por entrar num tom demasiado agressivo e insultuoso para os restantes candidatos. Esta não é a verdadeira Maria de Belém: é a Maria de Belém produzida pelas agências de comunicação. A verdadeira Maria de Belém vale muito mais do que esta que se tem revelado nas últimas semanas – oxalá, depois de janeiro, Maria de Belém possa ser recordada como a pessoa séria que é, e não como a candidata derrotada após uma campanha eleitoral desastrada. O que nasce torto…

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