A pressão de Bruxelas
A ideia de arrastar um governo sem Orçamento, sem possibilidade de passar leis na Assembleia e contra a vontade de Passos faz, de resto, com que esta hipótese seja encarada cada vez mais como muito remota.
O primeiro social-democrata a defendê-lo publicamente foi precisamente um conselheiro de Estado que fez parte de dois governos de Cavaco: Luís Marques Mendes, que defendeu que o país não aguentaria um governo de gestão.
A pressão de Bruxelas poderá ser também importante. Passos Coelho já fez saber que não irá entregar as linhas orçamentais à Comissão Europeia enquanto estiver nesta indefinição política. Uma posição que não caiu bem em Bruxelas de onde há pressões para saber como poderá ser o Orçamento do Estado para 2016. Uma pressão que deixa claro que as instâncias europeias não verão com bons olhos o arrastar da indefinição política e, por consequência, da indefinição orçamental de um país gerido a duodécimos e sem estar claro se as medidas extraordinárias de corte nos salários da Função Pública e de aplicação da sobretaxa de IRS estarão em vigor nesse cenário.
O que poderá, contudo, ter mais peso na decisão de Cavaco Silva é a vontade já expressa de Pedro Passos Coelho. Com Passos indisponível para esse tipo de solução, resta ao Presidente pouca margem para optar pela alternativa de manter um governo até ser possível convocar novas eleições – algo que a Constituição só permite seis meses passados sobre as últimas legislativas.
Coligação não acredita em governo presidencial
Dentro do quadro constitucional, resta a Cavaco uma alternativa se não vir estabilidade na solução governativa desenhada por António Costa com o apoio do BE e do PCP: avançar para um governo de iniciativa presidencial.
Na coligação este é um cenário em que ninguém acredita. Apesar de saberem que essa é uma alternativa constitucional, PSD e CDS consideram que será uma hipótese remota e não estão a ver que figuras poderiam integrar esse executivo.
Esquerda unida embaraça Governo
Em caso de Governo de gestão, o mais certo seria a esquerda unir-se para embaraçar a direita e ajudar a desgastar a imagem do executivo.
Uma das soluções seria fazer aprovar leis no Parlamento com as quais a direita não concorda, de modo a que o Governo liderado por Passos Coelho as tivesse de aplicar. Ao mesmo tempo, chumbariam as leis propostas pelo Governo. Na prática seria um Governo sem rumo e sem programa.
Mas esta situação originaria uma constante crispação no Parlamento, o que não agrada a Cavaco. “Seria uma guerrilha permanente que não interessa a ninguém”, afirma ao SOL um deputado socialista.
Qual é o custo para o país de viver em duodécimos?
Já no que toca às consequências financeiras, a fatura a pagar por um governo de gestão depende das múltiplas interpretações ao artigo 186.º da Constituição, que diz que “o governo limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”. Os acórdãos do Tribunal Constitucional especificam que a atuação do governo demitido deve pautar-se pela “estrita necessidade da sua prática”. Ainda assim, as opiniões divergem-se.
Em declarações ao SOL, o economista e professor João César das Neves considera que “viver em duodécimos até é capaz de ajudar à consolidação orçamental”. Mas sem a apresentação de um Orçamento para 2016 e com um eventual ‘intervalo’ em algumas das medidas de austeridade que vigoram só até dezembro, as contas do país desequilibram-se.
“Sem essas receitas ‘extraordinárias’ e mantendo-se tudo o resto constante, é necessário encontrar receitas adicionais ou então cortar na despesa. Confiar no crescimento económico é, no mínimo, um caminho arriscadamente positivo”, defende Filipe Garcia, economista da IMF.
Também Rui Bárbara, gestor de ativos do Banco Carregosa, considera que “viver em duodécimos tem um efeito automático do aumento da despesa”.
Na prática, o Estado não pode ter encargos superiores a 1/12 avos dos gastos registados no ano anterior. E embora subsistam dúvidas sobre as medidas que podem estender-se ao perder validade a 31 de dezembro, a reposição total dos salários aos funcionários públicos teria um peso de 50 milhões de euros mensais.
No que se refere à sobretaxa extraordinária, a maioria dos especialistas defende que é uma medida que carece de revalidação anual. O fim da sobretaxa em janeiro representa um perda de receita imediata de 570 milhões de euros para os cofres públicos.
Além do custo financeiro, acresce uma fatura social no mercado interno e um risco reputacional no externo. “Os riscos podem aumentar se os investidores e contrapartes internacionais – BCE, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional – passarem a ter uma má perceção” sobre a capacidade de Portugal cumprir com os objetivos e medidas acordadas.
*com Sónia Cerdeira