António Costa, um príncipe pouco perfeito

No dia 4 de outubro, os resultados eleitorais confirmaram a generalidade das sondagens: Passos Coelho ganhara as eleições, mas a coligação de direita perdera a maioria absoluta. Os primeiros comentários não deixavam dúvidas, António Costa era o grande derrotado e deveria tirar ilações. Rodeado dos mais íntimos, ouviu o que se foi dizendo e procurou…

Não sei o que pensou a caminho do sítio onde discursou. A mãe, Maria Antónia Palla, sentada na primeira fila, não parecia tranquila, o filho perdera as eleições e ela, com tanta gente à volta, não podia ampará-lo nem chamar-lhe ‘Babuch’, o mesmo que dizer menino em goês. Ficou descansada quando o viu. António estava com ar estranhamente sereno, como se tivesse ganho. Disse que não se demitiria do PS e que o país precisava de uma solução governativa que assegurasse a estabilidade, comprometeu-se a estar na primeira linha dos que procurariam essa solução. A intervenção foi em crescendo e a sala acabou numa espécie de apoteose com o secretário-geral a cumprimentar camaradas e apoiantes. Os seus dois filhos e mulher estavam emocionados, a sua mais nova, Catarina, acima de todos – de lágrimas nos olhos ouvimo-la a dizer ao pai: ‘eu acredito’.

Conhecemos a história que se seguiu. Políticos, adversários, uns poucos socialistas e comentadores surpreenderam-se com cada ação de Costa – foi chamado de golpista, definido como um homem com sede de poder, ou de inábil por ter afirmado que não aprovaria o Orçamento de Estado. O tempo permitiu que cada uma das suas ações fosse vista sob um outro prisma, afinal tudo fazia parte de uma estratégia executada fria e implacavelmente. Sempre um passo à frente, seráfico no meio da gritaria à volta, a enviar os seus homens para as frentes das várias batalhas (Ferro a irritar os adversários no alto do pelourinho do Parlamento, Carlos César na liderança da bancada, Galamba aos microfones do mundo mediático, Centeno com os credores e na alta finança). 

Jorge Sampaio, que o considera um filho político, gaba-lhe a habilidade, o instinto político e a capacidade de negociação. Em vários momentos da sua vida política pareceu estar prestes a afundar-se, mas voltou sempre para contar a história e ganhar. Quando Sócrates caiu pressionaram-no para avançar, o caminho estava mais do que aberto mas Costa preferiu esperar que Seguro fizesse o trabalho sujo. Fê-lo e em 2013 os mais próximos estenderam-lhe o tapete para que ganhasse o partido, à última da hora não o quis fazer. Manteve-se firme no caminho e um ano depois derrubou Seguro e começou a inquietar almas pudicas.  

Com José Sócrates dizia-se que acabaria afundado. As pessoas ligavam-nos, o ex-primeiro-ministro todos os dias se fazia notar com estrondo, mas Costa arrumou-o numa prateleira e deixou o ‘animal feroz’ enfurecido. Numa Câmara de Lisboa atolada em dívidas criou as condições para um acordo com o governo de Passos para que, em troca dos terrenos do aeroporto, o Estado pudesse assumir quase metade da dívida da CML. No dia em que anunciou a possibilidade de um acordo com o PCP e o Bloco viu Sérgio Sousa Pinto (um amigo) a gritar-lhe que era uma traição, gritos que se ouviram em todo o edifício do Largo do Rato. Respondeu-lhe de igual maneira, seguiu em frente. Resistiu às enormes pressões de Cavaco Silva, manteve sempre a temperatura fria, não facilitou a vida ao Presidente da República e, para que não restasse qualquer dúvida, anunciou primeiro ao país o seu governo – sinal de que o seu pacto era com os portugueses e não com Cavaco que jamais o indigitaria se tivesse as mãos livres.

Antigo aluno de Marcelo Rebelo de Sousa, com quem mantém excelente relação e a quem seguia religiosamente nos seus ‘sermões’ de domingo (perguntaram-lhe se via Marcelo ou Sócrates, respondeu sem hesitar que via o professor). Amigo de Shaüble com quem já falou ao telefone após a confirmação do Presidente, participante numa das célebres reuniões de Bilderberg, fanático das séries House of Cards e Borgen; e apesar de tudo isso capaz de convencer a esquerda revolucionária de que é o homem certo. 

Este é retrato político do homem que desafiou todas as lógicas e se prepara para ocupar São Bento. Os adversários têm razões para o temer pois já conseguiu o mais difícil, agora segue-se a negociação, a habilidade de movimentos nos corredores de poder, o que faz melhor do que qualquer outro da sua geração. Precisa de tempo, a oposição tem de lhe roubar esse tempo de que precisa, não será nada fácil. Um jogo do gato e do rato.

Segue-se o poder. Um caminho estreito para um político com metade do país contra si. Também um caminho estreito para quem o apoia e para quem passa a estar na oposição. Tudo tem de ser medido, calculado, programado. Quem for a jogo tem bastante a perder, os próximos meses não serão ideais para ingénuos ou tecnocratas. António Costa sabe o que quer e não se importa do ruído ou dos que vai deixando pelo caminho. O que lhe importa é o objetivo final. Nesse sentido é um político à antiga. Doa a quem doer. Quando cair não terá o perdão de Roma, mas será que cairá?

luis.osorio@sol.pt