2.Mais se afirma que este vazio ou equilibrismo político de Marcelo –ora agradando à esquerda, não desagradando à direita; ora agradando à direita, não desagradando à esquerda – constitui uma inovação ou uma originalidade na tradição política portuguesa. Desde 1976, com a estabilização do regime e a eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal, que os candidatos presidenciais assumem posições de carácter programático, colando-se a um lado ou outro da luta político-partidária.
3.Foi o caso, por exemplo, de Mário Soares que conseguiu congregar a totalidade do apoio das forças políticas de esquerda contra Freita do Amaral em 1986; ou Jorge Sampaio contra Cavaco Silva, muito ligado ao PSD cuja liderança abandonara há poucos meses. Outros casos – como Cavaco Silva, em 2006 e 2011, e Ramalho Eanes, em 1976 e em 1981 – conduziram a sua campanha em nome de valores como a estabilização do regime e o reforço do poder civil, em consequência da normalização constitucional; ou em nome da autoridade do Estado e da moralização do poder político, no caso de Cavaco Silva.
4.Com todo o devido respeito, não podemos subscrever esta ideia: Marcelo Rebelo de Sousa candidata-se em nome de valores, tem ideias sobre o cargo que já repetiu várias vezes nas suas intervenções públicas – e o modelo da sua candidatura aproxima-se, em grande linha, do modelo seguido por Cavaco Silva em 2006 ou em 2011. Cavaco Silva impôs ao PSD e ao CDS distância máxima; não permitiu a intervenção nos seus congressos nem de Luís Marques Mendes (líder do partido em 2006), nem de Paulo Portas, nem de Pedro Passos Coelho, em 2011; não permitiu bandeiras de nenhum partido nos seus comícios; e os partidos limitaram-se a recomendar o voto no candidato Cavaco Silva. E Cavaco Silva formou uma máquina eleitoral própria, que, no seu essencial, não se confundia nem com PSD, nem com CDS, pese embora tivesse mobilizado o país laranja e azul com tons amarelo em redor do seu desígnio presidencial. Ora, Marcelo Rebelo de Sousa segue o mesmo modelo, no essencial: não quer os líderes dos partidos nos seus comícios; não quer bandeiras dos partidos; não quer ficar preso ou dependente de um partido ou de outro. Como perceber, então, as críticas a Marcelo das mesmas pessoas que, em 2006, endeusaram Cavaco Silva? Não se percebe…
5.Em segundo lugar, se é verdade que Cavaco Silva se candidatou em nome da autoridade do Estado e da moralização na política (embora o seu mandato não se tenha saldado por muito sucesso na consecução destes objectivos) – Marcelo Rebelo de Sousa candidata-se em nome dos afectos, de maior justiça social, do combate às desigualdades e da igualdade de oportunidades. Ora, estes desígnios serão menos relevantes do que a autoridade do Estado? É que, hoje em dia, o tempo passa vertiginosamente na política portuguesa: um ano é uma eternidade…Ora, se em 2006 se justificava uma candidatura focada e motivada no reforço da autoridade do Estado, hoje, em 2015, com um país que ainda se encontra em situação económico-financeira instável, após a aplicação de um programa de assistência financeira duríssimo – é importantíssimo (e impõe-se!) uma candidatura assumir-se em prol da justiça social e do estreitamento da proximidade entre o Presidente e os portugueses. Quando Marcelo diz que será um Presidente dos afectos, não é uma mera frase bonita ou um slogan eleitoral ou uma proclamação lamechas. Não: ser Presidente dos afectos significa reabilitar a vertente de poder simbólico do Presidente da República, que sempre teve (como tinham, em tons mais ou menos acentuado, o monarca na Monarquia Constitucional).
6.Por outro lado, nunca Portugal contou com um candidato que soubesse de forma tão clarividente – e tão completa – a função constitucional do Presidente da República. Ao contrário de outros candidatos – e mesmo dos anteriores Presidentes da República, talvez com excepção de Jorge Sampaio, embora este, por vezes, trocasse os ditames constitucionais por conveniências político-partidárias -, Marcelo Rebelo de Sousa escreve sobre os poderes presidenciais (sua natureza, extensão, conteúdo) desde 1976. E foi dos primeiros teorizadores e explicadores – com diversa obra publicada – do sistema de Governo português. Portanto, dizer-se que a candidatura de Marcelo é um vazio absoluto; que Marcelo é instável e não sabe o que quer e o que acha dos poderes presidenciais; que Marcelo não se move por nenhum ideal nesta sua corrida presidencial – é um erro factual. Os factos contrariam esta tese.
7.Em suma, é com um sorriso rasgado na face que oiço algumas personalidades da direita, criticarem Marcelo Rebelo de Sousa por ter um discurso pouco ou nada à direita – ora, são as mesmas personalidades que aconselharam, em 2006, Cavaco Silva a fazer o mesmo. Marcelo será um Presidente diferente de Cavaco Silva? Sê-lo-á, certamente. Porque são dois perfis diferentes.
8.Mas Cavaco Silva, durante muito tempo, aguentou José Sócrates, os seus amigos e Conselheiros do Estado seguraram José Sócrates – e, no segundo mandato, Cavaco Silva criticou duramente Passos Coelho. Alguém ouviu a direita queixar-se de Cavaco Silva? Da sua indefinição ideológica? De ser pouco de direita? Nós não ouvimos…A candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, até ao momento, tem sido uma candidatura competente e com substância, tocando em matérias muito importantes para os portugueses. A candidatura de que Portugal precisa. Veremos se assim continua até dia 22 de Janeiro.