O candidato senta-se à frente no carro, ao lado do condutor, saca de uma sandes e de um refrigerante e está feito o almoço. A imagem é incomum, mas esta não é uma campanha normal. Marcelo Rebelo de Sousa está apostado em mostrar-se como o candidato que vai chegar a Belém com o menor orçamento de campanha de todos, longe das máquinas partidárias e perto dos portugueses.
Na estrada, Marcelo tem sido o one man show. Teve apenas um quase-comício, num auditório na Lourinhã, na quinta-feira, e dispensa quem por ele venha falar. Nas ruas, e muito por causa da chuva, tem corrido as lojas sem poupar no tempo que dá às pessoas que com ele querem falar, nem nos beijinhos repenicados que dá às senhoras e que reclamam à vez o título de «fã número um» do professor.
O estilo tem-lhe valido ataques duros. «Vi Marcelo numa ação de pré-campanha com a sua marmita. (…) Ficarão para a história as incongruências entre as férias com banqueiros e uma imagem de campanha de uma marmita de conveniência», atacou o candidato comunista Edgar Silva, ainda a campanha oficial não estava na estrada.
‘Olhem para as sondagens’
Esta semana, Rebelo de Sousa defendeu-se. «‘Ah, mas que campanha tão esquisita que o homem está a fazer, sem aparecer com séquitos à frente e séquitos atrás, com uma sandes ao almoço, essa campanha da marmita, tão solitária, tão despojada. Isso é com certeza artificial’», ironizou num discurso na Lourinhã, que usou para garantir que, se os adversários não estavam à espera de o ver assim, é porque afinal não o conhecem bem.
Voltando por momentos ao fato do comentador, o professor diz mesmo que há quem não esteja a fazer bem a análise política do que querem os portugueses em Belém: «Depois as pessoas surpreendem-se, olham para o resultado das sondagens e surpreendem-se».
As sondagens, essas, continuam a fazer Marcelo sonhar com uma vitória à primeira volta, mas o candidato não dorme na forma por causa disso e aposta tudo num contacto próximo com todos os eleitores com quem se cruza.
Com o sol a ajudar pela primeira vez desde que começou a volta pelo país, teve ontem o seu primeiro banho de multidão. A comitiva prefere chamar-lhe «contacto com a população», mas o que se viu entre a Praça da Fruta e a Rua das Montras, nas Caldas da Rainha, foi uma ‘arruada’ à antiga.
Sem máquinas partidárias nem colunas de seguranças que habitualmente tornam quase impossível chegar aos candidatos, Marcelo demorou-se a falar com quem se cruzava com ele. Houve tempo para tudo: cumprimentos entusiásticos, conselhos de orientação profissional a jovens de cursos técnicos e até fazer uma foto tipo-passe numa loja de fotografia.
Relvas não ajuda
Marcelo não se faz rogado e entre as pessoas é onde se sente mais à vontade, como se viu também na quinta-feira num escola secundária de Alcabideche (Cascais), onde começou por dar uma aula sobre «como se chegou à Democracia em Portugal» – mas onde acabou por se soltar numa conversa nem sempre fácil com alunos do 11.º e do 12.º anos.
Pela boca dos jovens chegaram perguntas a que o candidato está habituado a fugir quando tem os microfones dos jornalistas à frente. «Miguel Relvas tem estado a ajudá-lo na campanha?», atirou um dos estudantes. Marcelo foi mais claro na resposta do que alguma vez tinha sido. «Não tem ajudado. Tanto quanto eu sei ele está no Brasil. Mas se ele vier a ajudar, eu digo» – garantiu, antes de ser bombardeado com outras perguntas que vão sendo já recorrentes nestas presidenciais: a legitimidade política do Governo de António Costa e o que o separa ou não de Cavaco.
«O Governo não pode entrar em funções se não passar no Parlamento. Tem alguma lógica. É uma chatice às vezes. Agora, imagine que era ao contrário», foi dizendo a um dos alunos do secundário desgostoso com a solução. «Tem de haver regras. É uma frustração, é um desgosto, mas as regras da Constituição têm de ser aplicadas», reforçou, usando da mesma argumentação que lhe serviu para responder aos seus correligionários no PSD.
O discurso até pode irritar a direita, mas Rebelo de Sousa não foge dele um milímetro: vai para Belém para ser um árbitro e para evitar qualquer instabilidade política que, acredita, teria consequências desastrosas para o país, como um atraso na entrada em vigor do Orçamento do Estado deste ano.
«O Presidente pode estragar a estabilidade política e económica num instante», explicou aos alunos do secundário, fazendo as contas ao que custaria ver o Governo cair durante a discussão do Orçamento. «São 70 dias [para o Presidente ouvir os conselheiros e convocar eleições] mais 30 dias [para o Executivo tomar posse]», sublinhou, prevendo que, num cenário desses, «teríamos Governo na melhor das hipóteses no pino do verão» e Orçamento só lá para o outono.
Marcelo sabe que não pode cometer erros para garantir que escapa a uma segunda volta que quer evitar a todo o custo. Por isso, vai evitando os erros para manter a vantagem. «Eu tenho que pensar duas vezes, três vezes, quatro vezes, cinco vezes aquilo que devo dizer neste momento. Por muito atrativo que seja e por muito interessante que seja do ponto de vista do debate teórico, ideológico, político» – confessou ontem, em entrevista ao Observador.
O positivo e o negativo da campanha de Marcelo Rebelo de Sousa
POSITIVO
Marcelo é fixe!
O contacto direto com as pessoas é o seu forte. Nas ruas, o candidato é um sucesso e sabe disso. Com uma noção forte da imagem que passa para as televisões e das frases que ficam para os jornais, tem protagonizado momentos que o mostram como o professor afável e afetuoso que estará a anos-luz do estilo de Cavaco e fazendo esquecer o candidato crispado dos debates com Nóvoa e Maria de Belém.
Discurso de estabilidade
Marcelo sempre disse que não queria fazer das presidenciais a segunda volta das legislativas e está a consegui-lo, não se escusando a defender a legitimidade política do Governo. Sabe que isso pode não agradar ao centro-direita, mas espera que esses eleitores percebam que a estabilidade é mais importante do que a desforra.
NEGATIVO
A esquerda da direita?
Marcelo apresentou-se esta semana como o candidato que está na «esquerda da direita». Tem sido sempre essa a sua estratégia, jogando ao centro-esquerda, para evitar uma segunda volta. O risco será o de não estar a falar para o eleitorado dos dois partidos que o «recomendam», PSD e CDS.
A esquerda da direita?
Marcelo apresentou-se esta semana como o candidato que está na «esquerda da direita». Tem sido sempre essa a sua estratégia, jogando ao centro-esquerda, para evitar uma segunda volta. O risco será o de não estar a falar para o eleitorado dos dois partidos que o «recomendam», PSD e CDS.
40 cêntimos
Hipocondríaco confesso, Marcelo aproveitou uma arruada à chuva para entrar numa farmácia. Deslumbrado com as novidades, ficou tentado a comprar um medicamento novo para as dores de estômago que Belém lhe pode dar, mas recuou quando soube que era 40 cêntimos mais caro do que o que sempre comprou. «É dinheiro», disse à farmacêutica, numa atitude que fará mais sentido num pensionista de fracos recursos do que no candidato.