No estudo macroeconómico que esteve na base do Programa do Governo, Mário Centeno indicava que as várias medidas que aumentavam os rendimentos das famílias e das empresas, como a reversão da sobretaxa e dos cortes salariais na função pública, teriam um impacto de 0,7 pontos percentuais na taxa de crescimento do PIB.
Algumas medidas de estímulo à economia não avançaram – a redução da TSU para a generalidade dos trabalhadores e empresas ficou pelo caminho -, mas ainda assim o orçamento para este ano tem por base os chamados multiplicadores, calculados inicialmente pela equipa de Mário Centeno e revistos quando foram feitos os acordos à esquerda.
Estes multiplicadores indicam que cada euro adicional em despesa pública ou em perda de receita para o Estado tem um efeito positivo nas contas públicas devido ao impacto no crescimento económico.
Ao que o SOL apurou, estes cálculos em torno dos impactos das medidas do programa do PS foram um dos pontos que causaram mais fricção nos trabalhos técnicos em torno do OE.
A Comissão Europeia tem dúvidas sobre a magnitude dos impactos calculados por Mário Centeno. E, como a previsão do PIB tem consequências noutras rubricas do orçamento – com mais crescimento há mais cobrança de impostos, por exemplo -, esta discussão tinha depois implicações no esforço a nível do défice, outro foco de pressão de Bruxelas.
Pressão em duas frentes
A Comissão Europeia quer uma consolidação orçamental mais rápida do que prevê o Governo, cujo objetivo para este ano é reduzir o défice para 2,8%, quando no ano passado o saldo terá ficado em cerca de 3%, excluindo medidas extraordinárias como o Banif.
Com sinais evidentes da pressão de Bruxelas para que o défice seja mais baixo este ano, o primeiro-ministro admitiu durante a semana que as negociações com Bruxelas estavam a ser “difíceis”.
Não foi preciso muito tempo para que Bloco de Esquerda e Partido Comunista fizessem pressão sobre António Costa.
Primeiro foi Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, com a ameaça de romper o entendimento à esquerda caso as medidas do acodo não avancem. “Se existir uma destruição desses conteúdos de posição conjunta [firmado entre PCP e PS] naturalmente teremos um problema”, disse Jerónimo.
Seguiu-se a líder bloquista, Catarina Martins: “Eventualmente alguém na Comissão Europeia não compreendeu que em Portugal tivemos eleições, que as pessoas escolheram e escolheram fazer diferente do que foi PSD e CDS”.
Entre a pressão externa e a dos partidos de esquerda que sustentam o Governo PS, a solução António Costa deverá ser o meio-termo: as medidas do programa do Governo avançam, mas com entrada em vigor de forma faseada. Tal como nas 35 horas na função pública, que só avançarão depois do Verão, já se sabe que o IVA da restauração também só desce de 23% para 13% no segundo semestre.
Avisos da banca
O primeiro-ministro garantiu que o trabalho negocial decorre com Bruxelas de forma “franca e cordial”. Manifestou a convicção de que haverá “um ponto de entendimento” com Bruxelas e garantiu que o esforço acrescido que a Comissão está a exigir “não está em causa o cumprimento de qualquer dos compromissos fundamentais, como a reposição de pensões, salários na administração pública e o início do fim da asfixia fiscal sobre a classe média”.
António Costa minimizou ainda os avisos deixados esta semana por várias casas de investimento e analistas quanto às medidas orçamentais para este ano. Um relatório do Commerzbank considerou que Portugal voltava a ser “uma criança problemática” na zona euro devido à mudança de políticas. O Núcleo de Estudos da Universidade Católica (NECEP) também publicou um relatório crítico.
O documento aponta para um crescimento do PIB de 2% este ano, mas admite que este valor está rodeado de “um quadro elevado de incerteza decorrente da intenção de mudança de política orçamental face às recomendações das instituições internacionais especializadas”.
Os técnicos criticam a política orçamental expansionista prevista para 2016, que pode ter como efeito indireto o aumento dos custos de financiamento do Estado. Se essa política “poderia, em condições normais, ser favorável ao crescimento económico no curto prazo, o elevado nível de endividamento público pode dissipar este efeito caso a desconfiança dos investidores vier a aumentar os custos de financiamento da economia portuguesa”.