A17 de março, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) reúnem-se em Lisboa. Um assunto vai estar forçosamente em cima da mesa: o veto do Brasil – e depois seguido por Angola e Moçambique – a que Portugal venha assumir a presidência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa na próxima cimeira, que se realiza em julho, no Brasil, quando termina a presidência moçambicana.
O argumento do Brasil, Angola e Moçambique é o de que, já que a sede da CPLP está instalada em Portugal, o país devia abdicar de ocupar a presidência executiva rotativa. Manuel Vicente, número dois do Governo angolano, falou do assunto com o ministro Augusto Santos Silva. Mas o ministério dos Negócios Estrangeiros recusa totalmente a pretensão dos três países. E exige que seja Portugal a assumir a presidência na próxima cimeira da CPLP.
Santos Silva rejeita pressão
No seu primeiro ato público a avançar com as linhas principais da política externa do novo governo, Santos Silva deu imediatamente o sinal de que Portugal rejeita a pressão de Brasil, Angola e Moçambique – que já tinha sido comunicada há algum tempo por via diplomática.
Segundo disse o MNE no seminário diplomático no arranque do seu mandato, «a Comunidade de Países de Língua Portuguesa está no topo das nossas prioridades. Em particular, neste ano de 2016, em que se celebrarão os 20 anos da sua fundação, em que se espera a aprovação da sua nova visão estratégica e em que cabe a Portugal apresentar a candidatura ao cargo de secretário(a) executivo(a)».
Ficou a mensagem. Augusto Santos Silva reafirmou que a CPLP «é uma comunidade de iguais, sendo Portugal um entre vários»: «Temos e partilhamos com vários outros a ideia de que ela pode e deve evoluir acrescentando ao plano da cooperação entre Estados o da colaboração entre as sociedades civis e erguendo, para sustentar o edifício que ela forma, um novo pilar de cidadania». O ministro referiu expressamente que os países da CPLP devem «avançar na consagração e reconhecimento de direitos aos nacionais de qualquer Estado-membro, no espaço da Comunidade».
Vítor Ramalho na calha
Manuel Vicente terá feito recentes diligências junto do MNE de Portugal, dando conta da recusa de Angola em aceitar que Portugal volte a assumir o cargo de secretário executivo da CPLP.
Fontes diplomáticas angolanas acreditam que essa posição, se existiu, foi a título pessoal, como forma de pressão de
Manuel Vicente sobre as autoridades portuguesas, por causa do processo de corrupção em que poderá estar envolvido.
Portugal quer indicar Vítor Ramalho, um histórico dirigente do PS, que é o secretário-geral da UCCLA (União das Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas).
Para o embaixador Francisco Seixas da Costa, o cargo tem como destinatário natural um político ou um diplomata de carreira. «Alguém que tenha um histórico de boas relações com todos os parceiros e que não suscite dificuldades juntos dos países da CPLP. É necessário que seja alguém com capacidade de diálogo», dizia no início de março o embaixador e antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus ao jornal Observador. Seixas da Costa acrescentava que não tinha interesse no cargo – negando assim o que o DN apontava como uma possibilidade, a par de Vítor Ramalho, a de ser ele o nome designado pelo governo português.
O secretário executivo, segundo os estatutos da CPLP, «é uma alta personalidade de um dos Estados-membros». É eleito para um mandato de dois anos (renovável por outros dois anos), «mediante candidatura apresentada rotativamente pelos Estados-membros».
Com a Conferência marcada para julho, está na altura de apresentar a candidatura «para divulgação pelos Chefes de Estado e de Governo», o que deve acontecer «com uma antecedência mínima de três meses da realização da Conferência», ou seja, até abril.
O secretário executivo deve «empreender», inclusive «por sua própria iniciativa», medidas «destinadas a promover os objetivos da CPLP e a reforçar o seu funcionamento» e representa a CPLP «nos fora internacionais».
Trabalho para Marcelo
A nomeação do próximo secretário executivo da CPLP será também uma das primeiras missões diplomáticas de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente de República. Marcelo tem uma especial dedicação ao universo lusófono e ao longo da campanha presidencial deu indicações que privilegiará o estreitamento de relações com os países de língua portuguesa.
Isso mesmo foi realçado pelo atual secretário executivo da CPLP. «[Marcelo Rebelo de Sousa] é um grande apoiante do crescimento da CPLP. Espero contar com ele, no pouco tempo que me resta como secretário executivo», afirmou o moçambicano Murade Murargy, na mensagem com que saudou a eleição do novo Presidente da República português.
Marcelo, que já estará a seguir atentamente este processo, terá de fazer valer as suas qualidades como negociador político.