É um braço-de-ferro que está longe de terminar e António Costa não se dá por vencido. A Comissão Europeia continua a insistir numa redução do défice estrutural de 0,4 % do PIB, que equivale a pedir medidas de austeridade no valor mínimo de 700 milhões de euros, mas o Governo português continua apostado em negociar com Bruxelas.
A chave para reduzir o valor das «medidas adicionais» que a Comissão quer ver no Programa de Estabilidade, a entregar por Portugal no final de abril, pode estar numa discussão técnica que ainda decorre em Bruxelas.
«Há um grupo a ‘tratar’ do método de cálculo do PIB potencial. Sabemos que aqui e ali existe insatisfação sobre o resultado [desse cálculo]», admitia no início da semana o comissário europeu dos assuntos económicos Pierre Moscovici. A discussão é técnica, mas o resultado pode ser bem prático. Isso pode significar que as medidas adicionais fiquem abaixo dos 700 milhões de euros, que é a diferença entre a redução do défice estrutural que consta do OEpara 2016 e as exigências da Comissão Europeia para que Portugal cumpra o Pacto de Estabilidade.
Qual é a dicussão?
Mas, afinal, estamos a falar de quê? O défice estrutural é calculado a partir do défice nominal (a diferença entre as receitas e as despesas totais do Estado), mas descontando os efeitos do ciclo económico e das medidas extraordinárias.
Para descontar o que é estrutural do que é conjuntural, criou-se o conceito de PIB potencial, que corresponde ao que seria o produto interno bruto se o país estivesse a produzir usando em pleno todos os seus recursos. E é precisamente a forma como é calculado este PIB potencial que está agora a ser afinado com Bruxelas.
Estas questões técnicas estiveram no centro das negociações entre o Governo e a Comissão Europeia em torno do esboço orçamental. É que sendo do domínio das métricas têm efeitos muito práticos. Qualquer mudança na forma de cálculo determina resultados diferentes no défice contabilizado. Durante a discussão do esboço orçamental, Costa queria que as medidas de cortes de salários e pensões não fossem contabilizadas como estruturais precisamente para que a sua remoção não tivesse efeitos sobre o défice estrutural e, assim, o esforço a fazer para a sua redução seria inferior. Ou seja, todas estas discussões técnicas se traduzem em resultados que determinam se há ou não mais austeridade. Daí a importância da negociação que decorre em Bruxelas.
O primeiro-ministro conseguiu ver aprovado o esboço de Orçamento, mas a discussão continua em Bruxelas. Até meados de abril, o Governo terá de entregar à Comissão o Plano Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade e é aí que deverão estar as «medidas adicionais» reclamadas por Bruxelas, o famigerado Plano B, do qual o Bloco e o PCP nem querem ouvir falar. Resta saber qual a extensão que irão ter essas medidas.
Há ou não há Plano B?
Para já, António Costa quer tirar o tema da discussão política, ao mesmo tempo que prosseguem as discussões técnicas. Conseguiu que o comissário europeu para os assuntos económicos Pierre Moscovici recusasse falar em medidas adicionais na sua vinda a Lisboa, esta quinta-feira, atirando o tema para daqui a mais de dois meses. «Em maio, teremos de avaliar cuidadosamente as políticas do Governo», disse Moscovici, horas antes de Costa voltar a insistir: «Gostaria, de uma vez por todas, de pôr termo a qualquer tipo de especulação: não há nenhum plano B no horizonte. O único plano B é executar o Orçamento que a Assembleia da República está a discutir e aprovará no próximo dia 16», reforçou Costa.
O que o primeiro-ministro admite é que tem soluções pensadas para um cenário de derrapagem que as exija. «Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, no ano passado, quando a Comissão Europeia exigiu a apresentação imediata de medidas, este ano não exigiu. Limitou-se a dizer que devíamos ter medidas para o caso de serem necessárias», afirmou António Costa, que continua a afastar o cenário de um Orçamento Retificativo. «Sei que se tem tornado moda em Portugal, mas tudo faremos para que neste espírito de regresso à normalidade o país também volte a ter simplesmente um Orçamento por ano», garantiu.
O chefe do Governo vai começar a trabalhar em breve com a esquerda para desenhar o Orçamento do Estado para 2017. No BE há, aliás, a expectativa de que os grupos de trabalho para concretizar as medidas do acordo de apoio ao Governo arranquem já para a semana. Para já, a esquerda mantém a confiança na capacidade negocial de Costa em Bruxelas. «Acreditamos que sim [é possível dizer não a mais austeridade]. E António Costa também acredita, se não não teria feito o acordo connosco», diz o deputado bloquista Jorge Costa.
Receios no mercado
Uma coisa é certa: a intensidade das negociações com Bruxelas Portugal dependerão em larga medida das condições dos mercados nos próximos tempos. Os juros da dívida agravaram-se com a preparação do orçamento de Estado e, embora a aprovação do documento e a intervenção do BCE ajudem a acalmar os investidores, subsistem receios. Esta semana, um artigo de opinião do Wall Street Journal deixou no ar a possibilidade de um novo resgate, com uma frase sintética: «Lisbon, we have a problem». O autor baseava-se num estudo da Capital Economics, uma empresa que alertou para as consequências de um eventual corte de rating da DBRS, que levaria os juros para 8%.