Qual foi o maior erro do seu Governo? O que não faria se voltasse atrás?
O meu Governo não terá cometido, do ponto de vista macro económico, nenhum erro grave. Havia coisas que podiam ter sido feitas de outra maneira, com certeza. Por exemplo: em 2012, quando – em resposta a uma decisão do Tribunal Constitucional sobre os cortes do 13º e 14º meses – avançámos com a alteração da TSU para as empresas e para os trabalhadores, poderíamos ter encontrado uma medida alternativa. Porque ficou a perceção política, que abalou bastante o país, de que estávamos a querer fazer uma revolução, transferindo o rendimento dos trabalhadores para as empresas, para os patrões. Não era essa a intenção, não era isso que ia suceder, mas foi assim que foi percecionado. E inquinou muito o processo de reformas estruturais que estava em curso.
A responsabilidade política foi minha, porque validei a iniciativa e dei a cara por ela. Mas a medida não tinha condições políticas para vingar, apesar de ter racionalidade económica. Foi o erro de avaliação política mais sério que eu cometi.
E qual foi a medida que lhe custou mais não fazer?
O processo de reforma do Estado. Mas seria difícil de concretizar sem termos primeiro condições para fechar o programa de assistência económica e financeira. Era difícil dispersar as energias, e as equipas que existiam, para fazer mais coisas. Mesmo assim, nos três primeiros anos de governo fizemos mais por esta reforma do que as pessoas têm noção. Do lado do funcionamento da máquina do Estado, da simplificação dos processos de licenciamento… A reforma do procedimento administrativo… Espero que o tempo demonstre que uma parte destas reformas vai ter um impacto positivo. Mas as reformas ficaram aquém daquilo que é preciso fazer do ponto de vista do Estado.
Muitos analistas dizem que devia ter-se demitido depois das eleições, como fez Paulo Portas. Sentiu essa vontade de mudança no seu partido?
Se eu tivesse a perspetiva de que o PSD tinha um sentimento profundo de necessidade de mudança da sua liderança, teria suscitado o problema internamente. Até porque, estando na liderança e tendo sido primeiro-ministro, eu poderia condicionar as escolhas e as discussões dentro do partido. E poderia haver uma inibição das pessoas em suscitar essa discussão, para não parecer ingratidão relativamente ao líder que fechou o ciclo anterior. Mas não me pareceu haver essa necessidade, por duas razões.
Em primeiro lugar, o facto de haver uma grande identificação do PSD com o trabalho realizado pelo Governo. As pessoas sabem que esse trabalho foi custoso, poderia ter um impacto negativo nos eleitores, mas era preciso ser feito. Aqui e além teriam preferido que se dourasse um bocadinho a pílula, que se embrulhasse melhor o discurso com palavras mais doces, mas no essencial concordam com a necessidade do caminho que foi feito. E esse caminho tem muito o meu retrato e a minha liderança…
O PSD nunca vacilou no apoio à austeridade?
Não. Pelo contrário. A militância do PSD, as estruturas do PSD sempre se empenharam em defender o percurso que estávamos a fazer. E que era tudo menos fácil. Em particular, quando se tratou de medidas que tinham um impacto negativo sobre o rendimento das pessoas. Tive uma admiração sincera pela maneira como o PSD e a sua militância, até com um certo espírito sofredor, sempre nos apoiou.
A segunda razão é que, depois de tudo isso, a coligação que nós liderávamos obteve mais de 38% dos votos. E esse é um resultado apreciável, sobretudo quando olhamos para as expectativas da então oposição do PS. Nunca passou pela cabeça da maior parte dos dirigentes do PS, a um ano das eleições, que o PS não ganhasse com maioria absoluta. Assim, a nossa vitória deu à base eleitoral do PSD e à sua militança a convicção de que, se tínhamos reunido tanto apoio no país apesar das medidas difíceis, se calhar a liderança do PSD não estava tão desconforme com aquilo que eram as expectativas das pessoas.
Será importante para si o resultado das eleições autárquicas, no sentido de continuar ou não à frente do PSD?
Não. Não tem que ser determinante. As eleições autárquicas nunca são um teste à liderança de um partido. Porque não se trata de uma eleição nacional mas de muitas eleições locais. Uma parte do resultado pode ser atribuído ao partido no geral, à liderança partidária no seu sentido mais amplo, mas depois há muitas outras que não. O PSD já perdeu eleições autárquicas e ganhou eleições legislativas a seguir, com o mesmo líder. Portanto, a eleição autárquica não determina a liderança do PSD. Não estou a dizer que é uma questão menor, que não tem relevância. Mas a minha continuidade depende de muitas coisas que não posso antecipar.
Por que convidou Maria Luís Albuquerque para vice-presidente, depois das polémicas em que esteve envolvida?
Acho que a Maria Luís Albuquerque faz falta ao PSD e faz falta à minha comissão política nacional. E dado que sou eu que escolho a minha equipa, é a mim que compete ser responsável por essas decisões. Faz falta não apenas porque foi uma boa ministra das Finanças, como antes tinha sido uma boa secretária de Estado do Tesouro, como porque é uma pessoa que nos pode ajudar não apenas a fazer oposição, com sentido de responsabilidade, mas também a preparar o caminho de futuro.
Poderá ser ministra das Finanças num futuro Governo?
Não vou especificar nenhum lugar. Mas a Dra. Maria Luís Albuquerque seguramente será um bom ativo para um futuro Governo que eu possa vir a liderar.
Como é que ela reagiu à frieza com que o PSD a recebeu?
Não creio que o PSD tenha reagido com frieza à sua eleição. No dia em que os novos órgãos tomaram posse, julgo que levou a maior ovação quando foi chamada ao palco. Talvez eu tenha tido alguma responsabilidade quando fiz o anúncio da equipa, por não ter puxado pelos nomes como usualmente se faz. Fi-lo de uma forma muito pronta, muita rápida e sem estar a puxar pela reação da sala. É possível que houvesse quem achasse, e admito que fossem muitos, que eu poderia não querer arriscar envolvê-la na primeira linha do combate político do PSD, visto que o PS e o atual Governo a elegeram como um dos alvos da crítica política. Portanto, talvez pudéssemos evitar algum desgaste prescindindo dela. Mas o critério de escolha não deve ser esse. Ser criticado pelos nossos adversários não é exatamente um requisito para ser dispensado. A Maria Luís Albuquerque é muito criticada pelos nossos adversários porque é um ativo político de primeira grandeza.
Acha que deu no Congresso o sinal de renovação que os militantes queriam?
A renovação dos partidos não é uma coisa estática. Deve ser feita ao longo do tempo, e penso que o PSD fez uma renovação bastante significativa dos seus quadros dirigentes. Os nomes que hoje compõem os órgãos nacionais do PSD são uma prova de que o PSD não ficou fechado nos nomes dos ex-governantes, como durante muito tempo aconteceu. Sobretudo depois de o PSD ter estado 10 anos no Governo, os 10 anos seguintes pareciam estar confinados a substituir aqueles que tinham estado nos governos do professor Cavaco Silva por novos dirigentes partidários. Esse período acabou por ser ultrapassado. Como não estamos confinados àqueles que estiveram no Governo do PSD com Durão Barroso e Santana Lopes há 10 anos atrás. Há uma geração nova de dirigentes do PSD que convive com alguns dessa época mas que assegura uma perspetiva de renovação. E que preparará bem o PSD para um futuro Governo.
Na moção ao último Congresso disse que não apoiaria um ‘catavento’ na corrida a Belém. Na sequência disso, Marcelo retirou-se – mas acabou por vir a candidatar-se. Tiveram alguma conversa entretanto sobre o assunto?
A moção de estratégia que apresentei na minha penúltima eleição foi interpretada pelo Dr. Rebelo de Sousa como uma espécie de recado para ele. Foi ele que interpretou assim. Mas nunca conversámos sobre esse assunto e eu não alterei rigorosamente o que penso da função presidencial nem do que julgo dever ser o perfil do Presidente da República. Mantenho exatamente o que disse na altura. E disse até que olhamos para o exercício presidencial de uma forma muito próxima daquilo que foi não o estilo mas o mandato de Cavaco Silva. Ou seja, alguém que não faz o jogo dos partidos, que está num plano diferente, que não pode andar pela espuma dos dias, que não pode ser um catavento de tudo o que no dia a dia aparece na opinião pública ou publicada. Alguém que tem de constituir um referencial de união dos portugueses, o que não o isenta de ter opiniões e de exercê-las sem ter a necessidade de estar a agradar a toda a gente. E deve, no essencial, cooperar estrategicamente com os restantes órgãos de soberania, não sendo um instrumento de umas forças contra outras. A moção que subscrevi dizia basicamente isso. Tenho pena que o Dr. Rebelo de Sousa achasse que esta descrição era contra ele, e creio que acabou por perceber isso quando quis ir àquele congresso mostrar ao PSD que tinha não só uma ligação afetiva com o partido, como estava conciliado com os militantes e com a direção política.
Dito isto, é importante recordar que o PSD não fabricou um candidato presidencial. Face ao número e à qualidade de pessoas na nossa área que podiam candidatar-se a Presidente da República, não faria sentido incentivar algum especialmente. O Dr. Rebelo de Sousa achou que tinha condições para avançar e nos apoiámo-lo, quando se tornou claro a seguir às eleições legislativas que havia um candidato que reunia o consenso na nossa área política. Não apareceu mais nenhum. Se tivesse aparecido mais algum, esse problema poderia ter-se colocado. Mas na verdade não aconteceu. Não ofereceu nenhuma dúvida ao PSD o apoio ao Dr. Rebelo de Sousa.