Postas as duas coisas nos pratos da balança – forçar o afastamento de um governador detestado pelo PS e parceiros de esquerda e colocar-se numa espécie de ‘lista negra’ do BCE –, António Costa optará por não provocar qualquer espécie de guerra com Mario Draghi.
A verdade é que destituir Carlos Costa é quase uma impossibilidade, pois o Banco de Portugal depende do BCE e o atual governador tem relações muito próximas com Mario Draghi. A intenção inicial do Governo foi forçar a demissão por motu proprio de Carlos Costa, mas o governador não só resistiu aos sucessivos apelos públicos, como avisou os seus próximos de que nunca se demitirá e resistirá a todas as pressões.
Quando arrancou a comissão parlamentar de inquérito ao Banif, o PS tinha o objetivo de utilizar as suas conclusões para propor ao BCE o afastamento do governador, o que o Executivo só pode fazer alegando «falha grave». Mas já não é líquido que, independentemente das conclusões do inquérito, António Costa opte por essa via.
O ‘tiro no pé’ do secretário de Estado
As declarações do secretário de Estado do Tesouro, Ricardo Mourinho Félix, a acusar o governador de «falha grave» foram já consideradas um «tiro no pé», ace à nova estratégia do Governo em relação a Carlos Costa.
Há 15 dias, Mourinho Félix reagiu, em declarações ao Público, à informação de que foi o Banco de Portugal a propor limites ao financiamento do Banif pelo Eurosistema. Afirmando não ter tido conhecimento da iniciativa do governador, o secretário de Estado do Tesouro invocou uma «falha de informação grave do Banco de Portugal». Mas a ‘doutrina Costa’ relativamente ao assunto já tinha entretanto mudado. No dia seguinte, Mário Centeno apoiou o seu secretário de Estado, numa entrevista dada a partir de Washington: «É de facto surpreendente que não tenha sido transmitida na altura devida, no meu entendimento, do Ministério das Finanças e do Governo, aquela informação», afirmou Centeno à RTP. «Nesse sentido, é uma falha grave que nós reputamos de falha grave de transmissão de informação», disse o ministro.
No mesmo dia, confrontado no Parlamento pelo Bloco de Esquerda, de uma forma áspera, sobre a urgência em «destituir o governador», Costa respondeu que há uma comissão de inquérito a funcionar.
Em Bruxelas, em fevereiro, interrogado sobre o caso, o primeiro-ministro já tinha lembrado que o governador «goza de independência». Ser acusado por Mario Draghi de interferir na independência do Banco de Portugal é a última coisa de que Costa precisa nesta fase dura de negociações permanentes com a Comissão Europeia e o BCE. Costa escolhe as suas guerras e não vai afrontar Mario Daghi.