O que está em causa?
O glifosato é um herbicída de uso muito comum que entrou recentemente no vocabulário político depois de alguns estudos apontarem efeitos graves para a saúde, sendo considerado potencialmente cancerígeno e causador de doenças como a infertilidade. O BE pegou nesta bandeira e já apresentou duas propostas para eliminar este químico. A primeira pedia a sua proibição total e teve a abstenção do PS e do PCP. A segunda, votada hoje, foi chumbada com os votos contra de PCP, PSD e CDS e os votos a favor de PS, BE, PEV e PAN.
A questão ganhou contornos políticos precisamente por causa desta votação de hoje que apanhou de surpresa os deputados bloquistas. "No mínimo, esperamos uma votação igual", dizia-se no BE antes de contados os votos, quando a discussão ainda decorria no plenário, numa alusão à proposta "mais radical" que tinha merecido a abstenção de socialistas e comunistas, preocupados com o impacto da erradicação do glifosato no mundo rural.
Desta vez, a proposta tinha sido afinada e o BE pretendia apenas proibiria uso da substância em meio urbano, já que ela é muitas vezes usadas por autarquias e freguesias para tirar ervas daninhas dos passeios.
O chumbo do PCP foi, por isso, recebido com "supresa", rapidamente expressa pelo deputado autor do projeto do BE, Jorge Costa, em declarações aos jornalistas.
Escassas horas mais tarde, Nelson Peralta – biólogo e dirigente bloquista – usa o site esquerda.net para ir mais longe nas críticas aos comunistas e acusa-os mesmo de "sectarismo", expondo o que considera serem as contrações atitude do PCP relativamente ao glifosato.
Os comunistas justificaram o voto contra com a necessidade de mais estudos, mas a explicação não colhe no BE.
Dirigente do BE acusa PCP de sectarismo
"O que mudou? É que agora o seu voto fazia a diferença. Há um mês, na proposta mais ampla, o voto do PCP não era decisivo. Hoje, teria bastado o PCP repetir a abstenção para viabilizar o projeto-lei, uma vez que o PS anunciou o seu voto favorável. Quando o seu voto poderia mudar a vida das pessoas, o PCP optou por deixar à União Europeia a decisão que podia ser tomada em Portugal. A UE decide esta quinta-feira sobre a renovação da licença de glifosato que terminará a 30 de junho e a expectativa é baixa sobre a proteção da saúde pública", escreve o bloquista que lembra até as posições que o PCP tem tido nas regiões autónomas para expor a mudança de atitude que tem para Nelson Peralta uma leitura política.
Ora, nas Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira, o PCP apresentou propostas para a proibição total do glifosato. Em várias Assembleias Municipais, incluindo Lisboa e Almada, o PCP tem votado pela proibição do glifosato em espaço público. A Câmara Municipal de Évora, presidida pelo PCP, anunciou que já deixou de usar glifosato. Ou seja, o PCP não chumbou o projeto-lei porque a ideia era má. A proposta era má porque vinha do Bloco. É caso para dizer que o sectarismo faz mal à saúde", ataca o dirigente do BE.
O artigo é a expressão mais clara de uma tensão cada vez mais óbvia entre bloquistas e comunistas.
No espaço de poucos dias é a segunda vez que um bloquista acusa o PCP de sectarismo. A mesma acusação tinha sido feita pelo histórico bloquista Fernando Rosas em entrevista à Antena 1.
“É um partido com tiques de sectarismo e de exclusivismo na vida política que, espero, que com o tempo, passem", dizia Rosas há uma semana à jornalista Maria Flor Pedroso.
Costa desvaloriza divergências
Resta saber que consequências terá para o funcionamento da geringonça este estalar de verniz entre BE e PCP.
Certo é que hoje, na apresentação da sua moção ao Congresso do PS, António Costa voltou a lembrar que as divergências entre os partidos que apoiam o Governo são naturais e que o cimento que os une está no respeito dos acordos firmados.
Ou seja, por António Costa, o glifosato não passará de ruído que não encravará a geringonça.