Daniel Adrião, 47 anos, o improvável “challenger” de Costa neste congresso, apresentou a sua moção “Resgatar a democracia” usando o discurso directo – passado – do próprio António Costa, defensor da reforma do sistema eleitoral desde os tempos do guterrismo. Adrião é um apoiante de Costa, da geringonça e da viragem à esquerda. Aliás, mostrou-se apoiante de Bernie Sanders, o candidato às primárias do Partido Democrata dos E.U.A contra Hillary Clinton, e de Jeremy Corbyn, o actual líder trabalhista britânico, como exemplos a seguir. Mais: lembrou que “A Internacional” foi o hino histórico do Partido Socialista “que há séculos que não se houve nos congressos do PS” e citou como objectivo a sua frase mais emblemática: “Por uma terra sem amos”.
A parte mais incómoda para Costa não foi a recordação das suas ideias, postas agora em pousio, sobre reforma política. A verdade é que na manhã de sábado, ano e meio depois do congresso do PS se reunir na mesma sala em estado de choque com a prisão de Sócrates ocorrida na véspera, Adrião ter posto a sala quase toda a aplaudir Sócrates.
No desfile de elogios a todos os anteriores líderes do PS que fez, Adrião decidiu invocar Seguro antes de Sócrates (a ordem até aí, de Soares a Ferro, não tinha sido invertida pelo orador). Seguro obteve umas palmas mais-do-que-ligeiras. Quando foi a vez de Sócrates, o feitor da “última maioria absoluta socialista” e do plano tecnológico, foi quase uma ovação. “Daqui do congresso mando um forte abraço a José Sócrates”, disse Adrião. A sala adorou. Não foi o melhor momento do Congresso para Costa, que se tem distanciado do ex-primeiro-ministro desde o início da “Operação Marquês”.
“A nossa democracia está doente e precisa de uma terapia de choque. Isto já não vai lá com paninhos quentes”. Este é o ponto de partido para Daniel Adrião defender uma mudança radical no funcionamento do partido, passado a consagrar as primárias para a eleição do secretário-geral, dos candidatos a deputados, presidentes de câmara e de junta, presidentes dos governos regionais dos Açores e da Madeira. Dirigindo-se a António Costa, que desistiu das primárias nesta eleição, afirmou: “António Costa é o primeiro líder de um partido em Portugal cuja eleição foi determinada principalmente pelos simpatizantes. Do ponto de vista da legitimidade democrática, a tua vitória nas primárias, mesmo não sendo por 95%, conferiu-te muito maior legitimidade”.
Adrião defendeu que “foi um erro ter-se interrompido o processo das eleições primárias” e que também foi “um erro não se ter feito primárias para candidatos a deputados nas últimas legislativas”. A eleição dos candidatos a deputados através de primárias foi defendida no PS pelo membro da comissão política e ex-dirigente da equipa de Seguro, Álvaro Beleza, mas foi recusada. Para Adrião, “se tivesse havido primárias para a escolha dos candidatos a deputados do PS, teríamos ganho as eleições legislativas e hoje haveria mais deputados do PS na Assembleia da República”. Tal como Costa no passado, Daniel Adrião defende ainda uma reforma do sistema eleitoral que introduza círculos uninominais e um círculo nacional de compensação. Mas esta proposta é impossível enquanto a geringonça durar: PCP e Bloco de Esquerda (e também o CDS) sempre foram contra os círculos uninominais, com o argumento de que os partidos mais pequenos são prejudicados.