Mário Centeno voltou esta semana a fugir ao guião político de António Costa. O primeiro-ministro quer sublinhar a mensagem otimista de que a execução orçamental está no bom caminho e de que o défice do primeiro trimestre até ficou 900 milhões de euros abaixo do verificado no mesmo período do ano passado.
Mas o ministro das Finanças veio esta semana reconhecer que as previsões económicas para 2016 irão ficar muito abaixo dos 1,8% do PIB apontados pelo Governo e podem mesmo ter de ser revistas em outubro.
As declarações, feitas em entrevista ao Público, obrigaram Costa a vir reafirmar na quarta-feira a mensagem que já tinha passado um dia antes nas jornadas parlamentares do PS, nos Açores.
«Nós não vivemos de previsões, vivemos de realidades», sublinhou em Bruxelas, assegurando que, «quanto a 2016, os dados estão lançados e, felizmente, dão contas certas».
OE Retificativo reaparece
A ideia era afastar a dúvida que a entrevista de Centeno deixou no ar quanto à necessidade de um Orçamento Retificativo. Apesar de ter dito que «há razões muito específicas para ter orçamentos retificativos, e normalmente não estão associadas a revisões de cenários macroeconómicas», o ministro das Finanças admitiu que a queda das exportações para mercados importantes para Portugal como o Brasil, a China e Angola, a redução do nível de investimento e a saída do Reino Unido da União Europeia irão ter um impacto negativo na evolução do crescimento.
Pela primeira vez, Mário Centeno reconheceu agora que será preciso rever de novo a procura externa, com implicações no cenário macroeconómico.
«Quando o Governo elaborou as últimas previsões, a procura externa crescia 4,6%. Neste momento, as organizações internacionais preveem para a procura externa um crescimento de 3,2%», destacou na quarta-feira, Mário Centeno, na comissão parlamentar de Trabalho.
Costa apaga o fogo em Bruxelas
Com a OCDE a apontar para um crescimento de 1,2% e o FMI a prever que não vá além de 1%, Mário Centeno deixou implícito o reconhecimento de que as previsões do Governo – que ainda apontam para um crescimento de 1,8% – serão já quase impossíveis de concretizar. «Já nem falo de 1,8%. Para chegarmos ao final do ano com um crescimento de 1,2%, é necessário alguma aceleração da atividade económica», admitiu ao Público.
Mesmo frisando que há uma «tendência de aceleração» na economia portuguesa, a mensagem que passou foi a de que o Executivo teria de rever as contas de 2016 até outubro, altura em que entregará o Orçamento do próximo ano. «É nesse momento que reavaliamos a situação macroeconómica portuguesa», adiantou.
E isso era tudo aquilo que António Costa não queria que passasse para a opinião pública no dia em que estava em Bruxelas, num Conselho Europeu, a menos de uma semana da decisão da Comissão Europeia sobre a tão falada aplicação de sanções a Portugal por incumprimento do défice.
O primeiro-ministro teve de admitir que pode ser necessário fazer «alguma atualização sobre evoluções futuras da economia portuguesa» em outubro, para 2017 e não para este ano de 2016, assim contrariando as palavras de Centeno.
35 horas revelaram outro desacerto
Não foi a primeira vez que António Costa teve de vir apagar um fogo desencadeado por Mário Centeno. Em fevereiro, o primeiro-ministro desmentiu publicamente o ministro das Finanças a propósito da reposição em julho do regime das 35 horas de trabalho na Função Pública.
A polémica foi lançada com uma entrevista de Mário Centeno, na qual o ministro dizia ser impossível afirmar com certeza que a redução do horário laboral da Função Pública seria possível de concretizar no prazo prometido. «Não posso responder se as 35 horas avançam este ano», dizia Centeno, acrescentando que o Governo só admitiria a aplicação da medida caso tivesse «garantias de não aumento da despesa» resultante das 35 horas.
No dia em que saiu no Expresso essa entrevista de Centeno, António Costa aproveitou uma reunião com militantes do PS, no Porto, para dar a certeza que o seu ministro tinha garantido ser impossível avançar desde logo.
«As 35 horas entrarão em vigor no próximo dia 1 de julho», garantiu, numa promessa que acabaria por ser concretizada ontem, mas com uma nuance que deixou de fora cerca de 100 mil funcionários públicos com contratos individuais de trabalho. Esta dualidade de situações levou a que, no caso dos enfermeiros, o sindicato anunciasse uma greve nacional para 28 e 29 de julho.
Na verdade, António Costa fez sempre uma ressalva que lhe permitiu cumprir a promessa: o novo horário seria para quem está «em funções públicas» e não para todos os trabalhadores da Função Pública.
Pelo meio, Costa ainda introduziu uma «uma ‘válvula de segurança’ para evitar situações de rutura nalgum serviço», permitindo «pequenos ajustamentos de horário» para conseguir reduzir o número de horas de trabalho sem aumentar a despesa.