António Costa põe Augusto Santos Silva a funcionar

Primeiro-ministro resguarda-se: Augusto Santos Silva salta para o combate político para Costa deixar de ser o one man show

«Este é o Governo do one man show», dizia Francisco Louçã, no balanço dos seis meses do Governo no seu espaço de comentário da SIC. Três meses depois, António Costa resolveu afinar a tática e chamou para a frente do combate aquele que é um dos nomes politicamente mais fortes do seu elenco governativo: Augusto Santos Silva é agora o homem forte do primeiro-ministro.

A escolha parecia óbvia quando Louçã fez a sua análise. «Há um número dois, Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, mas que não existe no debate político português», apontava o comentador que via na excessiva exposição de Costa o ponto mais fraco do Governo. «Não se percebe muito bem como funciona este Governo. Porque é que é o primeiro-ministro quem tem que levar todos os embates?», perguntava-se na altura. Curiosamente, três meses antes também Marques Mendes afirmava que «António Costa é uma espécie de seguro de vida do Governo», sublinhando a forma como o êxito do Executivo estava dependente de uma só pessoa.

A mudança de estratégia

Com as críticas a sucederem-se sobre a forma como Costa aparecia muitas vezes sozinho para dar o peito às balas e defender o Governo, o primeiro-ministro afinou a estratégia. E a primeira vez que o fez foi precisamente num dos dossiês mais sensíveis que o Governo teve de gerir, mas também num que terminou com uma vitória: o anulamento das sanções pelo défice excessivo de 2015.

Em vez de aparecer a reclamar os louros ou de pôr o ministro das Finanças Mário Centeno a reagir à boa notícia que acabara de chegar de Bruxelas, Costa deu o palco a Santos Silva.

Quatro dias antes do anúncio do cancelamento das sanções, o SOL dava nota da irritação no seio do Governo com a falta de capacidade política de Mário Centeno. «Há uma tradição política de se convidarem técnicos independentes para o cargo de ministros das Finanças, o que tem sido um erro», apontava um membro do Executivo, sublinhando que «o cargo de ministro das Finanças é, a seguir ao de primeiro-ministro, o cargo mais político de qualquer Governo». A irritação vinha da falta de tato de Centeno na gestão política de alguns dos dossiês mais complicados do Governo, como o da Caixa Geral de Depósitos. O ministro das Finanças foi fazendo declarações contraditórias e deixando o Governo enredar-se em questões em torno dos números da capitalização, da nomeação dos administradores e dos seus salários.

«Desgraça» foi a palavra usada por Ascenso Simões na última reunião da bancada parlamentar o PS com o líder antes das férias. E Costa assumiu que era um problema ter sobre si o peso da pressão mediática. A ideia era a de que os microfones das televisões procuram invariavelmente o primeiro-ministro para reações. Havia pouco a fazer, dava António Costa a entender aos deputados.

Menos de uma semana depois, a forma como pôs Santos Silva a convocar os jornalistas para ouvirem no Ministério dos Negócios Estrangeiros a reagir à notícia de que não haveria sanções foi a prova de que encontrou uma maneira de deixar de carregar sozinho nos ombros o peso da defesa política do Governo.

Esta semana, a banhos no Algarve, o primeiro-ministro voltou a usar o ministro dos Negócios Estrangeiros como porta-voz do Governo. Foi a Augusto Santos Silva que coube – mais uma vez chamando os jornalistas ao Palácio das Necessidades – reagir à polémica das viagens ao Euro 2016 pagas pela Galp a três secretários de Estado.

O dossiê que fez desta uma semana horribilis para o Governo ficou nas mãos do ministro com o perfil mais político. Santos Silva esteve em contacto com os secretários de Estado envolvidos na polémica – o dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, o da Indústria, João Vasconcelos, e o da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira. Augusto Santos Silva falou com todos e assegurou-se de que não havia outros membros do Governo que tivessem viajado para ver jogos do campeonato europeu de futebol com as despesas pagas por empresas antes de se dirigir à imprensa para tentar dar o caso como «encerrado».

Depois de Rocha Andrade ter começado por reagir à notícia da Sábado afirmando ter visto com «naturalidade» o convite de uma empresa com a qual as Finanças mantêm um contencioso de 100 milhões de euros e de o gabinete do primeiro-ministro ter recusado avançar com a lista dos membros do Governo que estariam nas mesmas condições, Santos Silva veio falar já depois de o CDS ter pedido a demissão do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e de se saber que eram afinal três os governantes que tinham ido a França com tudo pago pela Galp. A polémica já ia acesa e não foi Santos Silva que a conseguiu travar – ontem ainda foi tema de uma conferência de imprensa do PSD –, mas ficou provado que já não precisa de ser António Costa a acorrer a todos os fogos. Tem uma ajuda de peso e pode agora resguardar-se.