É frutóóóchocolate! Quem não se lembra do tradicional pregão para promover os mais variados gelados da época? A verdade é que este mercado evoluiu nos últimos anos e cada vez mais surgem geladarias a apostarem na criatividade, a descobrir novas matérias-primas e, acima de tudo, a investir, e muito, na qualidade. Também os preços acabaram por acompanhar esta tendência, apesar de alguns ainda tentarem respeitar as bolsas de quem não pode despender tanto por uma bola de gelado por mais que aguce o apetite.
A ideia de que esta iguaria dos deuses faz mal à saúde está posta de lado. E os estudos que têm surgido dão um empurrão a esta nova visão, havendo mesmo quem prove que os gelados fazem as pessoas felizes. A explicação é simples: poderão contribuir para melhorar a saúde e o bem-estar, em geral, pois os nutrientes da fruta podem contribuir para melhorar o nosso sistema imunitário, digestivo e cardíaco. Também a ideia de só comer gelados no verão foi aos poucos ultrapassada, apesar de algumas geladarias visitadas pelo B.I. continuarem a fechar durante alguns meses do inverno. A falta de clientes e, acima de tudo, a necessidade de descansar depois de meses de euforia são algumas das razões apontadas.
Para falar de gelados em Portugal é obrigatório falar do Santini, nem que seja por estar no ranking dos 12 melhores gelados do mundo, de acordo com Jordi Roca, um dos donos do restaurante El Celler de Can Roca, que no ano passado foi considerado pela revista “Restaurant” o melhor do mundo. O negócio familiar sonhado pelo italiano que, em 1949, abriu a primeira loja na praia do Tamariz, no Estoril – e, confiando que os netos continuariam a trabalhar os cremes e as frutas, recusou uma oferta americana para vender as fórmulas -, vai já na terceira geração de fabricantes, agora com Eduardo Santini a liderar o “império”. Ao B.I. admite que a sucessão surgiu de uma forma natural: “Quando somos crianças temos os nossos sonhos, queremos ser astronautas ou jogadores de futebol, mas cresci e passei a minha infância na geladaria e liderar este projeto foi acontecendo naturalmente.”
Manter a tradição e a qualidade foi sempre o objetivo do empresário, por isso, não é de estranhar que o nome Santini continue a perdurar na fabricação artesanal de gelados de fruta, “sem corantes nem conservantes”. Daí também manter, em todas as lojas, o slogan que foi adotado desde o início: “I Gelati Più Fini del Mondo”. Ao mesmo tempo, a aposta passou pelo crescimento, daí a abertura de uma série de lojas – até ao final deste mês vai inaugurar mais uma, em Cascais: “Esta vai ser mais pequena, mas melhor localizada do que a outra que já temos em Cascais, fica perto da praia, na avenida principal. Esta vai-se manter aberta todo o ano, enquanto a outra mais antiga vai fechar durante o inverno”, revela. Apesar da abertura do novo espaço na Linha, a ideia de fazer romarias a Cascais só para ir à Santini já foi ultrapassada e, neste momento, “a marca tem clientes fiéis em qualquer outra loja”.
Já em relação ao sabor mais vendido, Eduardo Santini diz que é o de morango. Uma tradição que se mantém desde que a geladaria abriu as portas. Mas quanto ao número de gelados vendidos por dia o gestor nem sequer quer falar disso. Do que fala, isso sim, é do Guia de Santinização que, com a reforma dos trabalhadores mais velhos, foi preciso elaborar para os novos colaboradores, e no qual se inclui todo o tipo de informação, da história do estabelecimento à forma de falar aos clientes – pois, se for preciso, os trabalhadores da Santini devem perder dez minutos a explicar à pessoa o que ela está a comer.
Apesar de manterem as tradições bem vivas, a Santini procura também inovar e, todos os anos, lançar novidades – este ano a geladaria passou a apresentar os seus gelados num novo formato: em bolo. Além dos clássicos cheesecake, chocolate ao cubo e cassata (fruta cristalizada, chantilly, gelado de avelã e semifrio com chocolate), vai também poder personalizar os seus próprios bolos. “Desde o lançamento dos macarrinis e dos bombons que temos aperfeiçoado a nossa pastelaria, sempre com o gelado como peça central”, revela.
De pais para filhos
A geladaria Itália – mais conhecida por Conchanata, nome do seu gelado mais emblemático – é uma das mais antigas da cidade de Lisboa. Inaugurada em 1948, continua a fazer os gelados da mesma forma. Tecnologia só mesmo a página de Facebook porque de resto o empresário que está à frente continua a fazer os gelados manualmente e seguindo a receita do seu avô. Michele Tarlattini, terceira geração a gerir os Gelados Itália Conchanata, conta apenas com a ajuda da sua mulher e filho: Celina e Lorenzo Tarlattini. Mas estes dão apenas uma mão a servir, até porque é preciso manter a tradição de ter sempre a mulher no balcão. “Se ela não aparecer os clientes estranham”, confessa. Já a filha preferiu ficar fora do negócio.
Celina Tarlattini perde a noção da quantidade de gelados que serve por dia, mas as filas não enganam. A geladaria está aberta todos os dias, com exceção de segunda-feira, e a fila de espera dobra o quarteirão, na Avenida da Igreja. Uma situação que nem sempre agrada os clientes, principalmente os estreantes. De resto Celina garante que há muitos clientes que são quase família. “Eles conhecem os meus problemas e eu conheço os deles e gosto muito de ver jovens que frequentavam este espaço quando eram pequenos e agora vêm cá já casados e com filhos”, diz, com um brilho nos olhos.
A geladaria oferece 18 sabores, entre os quais morango, baunilha, café, avelã, kiwi ou pistacho. Todos os sabores são isentos de glúten e os gelados de fruta não contêm lactose ou ovos (exceto o de coco). No entanto, entre as opções mais pedidas continua a estar a famosa Conchanata. Por 4,5 euros é servida uma taça em forma de concha com quatro bolas de gelado, três à escolha e uma de nata, cobertas com calda de morango. Uma tradição que não muda, tal como a decoração, que se mantém igual há 20 anos. “Foi o meu pai que fez estas obras e não faz sentido estar a alterá-la”, justifica Michele. O mesmo acontece com os meses de encerramento. A geladaria é conhecida por estar aberta entre fevereiro/março e novembro. E, para Celina, não faz sentido alterar as regras do jogo. “Precisamos de uma pausa para descansar. Os meses que estamos abertos são uma verdadeira loucura”. Já o horário de funcionamento diário foi reduzido. O espaço chegou a estar aberto até às duas da manhã, agora fecha às 23h. A outra mudança foi o fim da Conchanata Familiar, composta por litro e meio de gelado de nata e molho de morango, servidos em embalagem isotérmica para levar. A procura era de tal forma elevada que Michele não conseguia assegurar a oferta, razão pela qual se viu forçado a suspender essa venda. Até porque, se há algo que a família Tarlattini rejeita é a ideia de produzir gelados em massa. Para isso seria necessário recorrer à industrialização e “iria pôr em causa a qualidade e a tradição” que tanto é valorizada pelo dono.
80 sabores à escolha
A Artesani surgiu, em 2009, pelas mãos de Luísa Lampreia que resolveu agarrar o negócio dos gelados, depois da empresa dos pais ter fechado, a Fritz, outrora também um clássico nas geladarias de Lisboa. O primeiro passo foi fazer um investimento numa nova fábrica, desenvolver e melhorar as receitas, isto sem esquecer a criação de novas combinações. E, tal como o nome diz, apostar numa confeção artesanal.
Os sabores são produzidos com produtos naturais: leite, natas e fruta fresca. Mas o açúcar entra na menor quantidade possível. Um desafio para a marca pois é precisamente o açúcar que confere a cremosidade ao gelado. “Gelados 100% naturais, feitos todos os dias”, é o lema da Artisani que confeciona os seus gelados com fruta fresca da época, leite Vigor e água do Luso.
Aqui a dificuldade será escolher dentro da oferta de 80 sabores, que incluem opções originais como canela e mel, framboesa com wasabi e vinagre de vinho tinto, noz e figos, ananás com pimenta preta, champanhe, laranja com cardamomo, limão com manjericão ou morangoska.
Os primeiros gelados foram vendidos na Doca de Santo, mas rapidamente a produção ditou que se fizesse crescer a estrutura. A partir daí seguiram-se outras lojas, como Cascais, Carcavelos e o mercado de Algés. Além das lojas próprias, a geladaria aposta também nas parcerias By Artisani que consiste no fornecimento de gelados, por parte da empresa-mãe, a pessoas, fora do universo Artisani, que estejam interessadas em explorar o negócio, depois de terem formação alargada com a marca. É o caso, por exemplo, do Vela Latina, em Belém.
A fábrica de Santos assegura a produção dos preparados – os gelados líquidos – que depois são misturados em cada loja, diariamente, com o tal leite Vigor do dia e a água do Luso.
Feito na hora
Já pensou em comer um gelado feito na hora? Isso é possível no Laboratório do Gelado sub 196. O conceito foge completamente ao da geladaria tradicional e portanto esqueça a ideia de encontrar os sabores expostos no balcão. Esse espaço é antes ocupado por quatro máquinas e dois contentores de nitrogénio. Sim, porque nesta geladaria os gelados são feitos com azoto líquido. Às frutas, flores, frutos secos, plantas e metais (comestíveis, claro) junta-se azoto líquido, a uma temperatura negativa de 196 graus. Em segundos, o estado líquido passa a sólido, deixando uma nuvem de fumo atrás do balcão, nesta espécie de laboratório improvisado.
Pedro Viana é o responsável por esta ideia. O chefe pasteleiro tem 24 anos e investiu mais de 50 mil euros neste projeto. Trabalhou em vários países e, depois de passar pela Austrália, regressou a Portugal com esta ideia e instalou-se em Alvalade, onde inaugurou este espaço no final de janeiro. Mas a ideia é mudar de instalações. “Este bairro é muito envelhecido e muito pouco turístico, quero ir para um local onde diariamente passem turistas”, confessa ao B.I.
A ideia aqui não é misturar sabores e muito menos comê-los num cone. “Cada sabor é como se fosse uma viagem gastronómica, por isso, tem de ser sempre servido num copo, para poder ser apreciado devidamente”. Cada dose custa três euros e equivale a cerca de 200 gramas de gelado, o que representa três bolas numa geladaria tradicional, e por dia Pedro Viana serve cerca de 100 gelados, um número longe dos 300 que tinha projetado no seu plano de negócios, mas cujos sabores pouco convencionais podem ajudar a justificar. “Pode encontrar sabores que chamo de exóticos, como o eucalipto, a alfazema com folha de prata e folha de violeta ou a matcha com aroma a mostarda”. Mas também tem os tradicionais sabores, como chocolate e morango, mas admite que só os tem para não desiludir os clientes mais convencionais. “Não faz sentido entrar um cliente e não escolher nenhum sabor porque acha que não gosta ou virem crianças e não poderem comer nenhum gelado”.
Para o empresário, o segredo dos seus gelados não é apenas o azoto: não têm açúcar, nem lactose, nem glúten e, acima de tudo, não têm quaisquer cristais de gelo. “É um gelado refrescante, pouco doce e como não tem cristais de gelo fica extremamente cremoso. Não se consegue de outra forma se não for com este processo. E só assim é possível obter um sabor verdadeiramente genuíno”, acrescenta.
Neste momento, o Laboratório de Gelados já produz gelados para oito restaurantes de luxo, em Lisboa e Oeiras, em que o sabor é escolhido pelo cliente. Um desses exemplos, é o sabor de leite de cabra. Mas abrir os eu próprio restaurante é o projeto de sonho de Pedro Viana, que acredita que a geladaria poderá ser “uma boa porta de entrada” para que seja concretizado.
Mais um laboratório
A Nannarella, em São Bento, é um verdadeiro laboratório de geladaria, que oferece sabores clássicos ao lado de uma oferta dinâmica, promovendo periodicamente novos sabores e novos conceitos. Aberta por um casal de italianos, dá a provar gelados italianos confecionados com ingredientes de fornecedores nacionais. Filippo Licitra e Constanza Ventura trocaram Roma por Lisboa, apaixonaram-se por esta “cidade que tem tudo, com um ritmo mais tranquilo” e abriram em 2013 este projeto onde as grandes filas à porta são uma constante. O objetivo foi simples: valorizar o património gastronómico português nas receitas de gelados e sorvetes respeitando sempre a tradição do gelado romano.
E qual é o segredo do sucesso? Simples: encontrar o equilíbrio entre as doses de ingredientes de forma a transformar um gelado simples num gelado italiano. A experiência também deu um empurrão. “Comemos gelados desde pequeninos, estamos habituados ao sabor. Temos o paladar treinado. A cremosidade, o sabor, que nunca é demasiado doce, e a textura vêm dessa junção de forças”, garantem.
A promessa é de qualidade porque todas as matérias-primas obedecem a rigorosos critérios de qualidade. Os produtos são 100% naturais, sem corantes nem conservantes, provêm de prestigiadas origens nacionais e fornecedores reconhecidos.
É possível encontrar sabores a partir dos dois euros e um dos sabores do momento é o melano, uma mistura fresca de melão e limão. Mas quem preferir algo mais substancial, pode apostar na banannarella, que junta banana, chocolate e noz.
Todos os seus gelados são acompanhados de deliciosas natas frescas batidas, a cada duas horas, e típicas de uma geladaria romana.
A mesma tradição romana pode ser encontrada na Davvero, cuja primeira loja abriu há cerca de um ano, no Cais do Sodré.De resto, esta geladaria conta com a mão de Filippo Licitra, que entretanto saiu da Nannarella para se juntar a Ricardo Farabegoli, um antigo designer apaixonado por gelados. Amigos desde a infância, e durante anos vizinhos em Roma, juntaram-se em Lisboa para trazer para a capital portuguesa o que defendem ser “o gelado verdadeiro”. Daquele servido com espátula, como os italianos.