Os problemas de comunicação de Mário Centeno estão a deixar o PS de cabelos em pé. Esta semana foram já duas as vezes em que o ministro das Finanças falhou a mensagem e deixou o governo em maus lençóis. Primeiro foi a resposta na entrevista à CNBC em que não soube fechar a porta à eventualidade de um resgate. Ontem, foi a admissão de que vem aí um aumento de impostos indiretos.
MENSAGEM ERRADA “A mensagem que havia a passar era a de que os impostos vão baixar, porque a carga fiscal como um todo vai ser reduzida”, aponta um alto dirigente socialista, que não esconde a irritação com a falta de jeito de Centeno para comunicar.
O ministro não mentiu: reconheceu que subir os impostos indiretos é a única forma de aliviar o IRS das famílias. Mas a forma como o disse fez com que o enfoque ficasse na subida e não no alívio fiscal, que é o resultado final que o governo pretende alcançar. “Da maneira como falou, a notícia agora é a subida quando, na verdade, há uma diminuição da carga fiscal como um todo”, aponta a mesma fonte socialista.
“O ministro não tem nada que falar de impostos”, aponta um deputado socialista, que vê nas falhas de comunicação um sinal da inexperiência política de Mário Centeno. “Não está habituado a falar com jornalistas. Vem do Banco de Portugal, onde a política é a de não falar à comunicação, e falta-lhe essa experiência para perceber o impacto daquilo que diz”, analisa o deputado do PS.
O socialista defende, aliás, que o responsável das Finanças devia recusar avançar informação sobre o Orçamento do Estado para 2017 enquanto a proposta do governo não estiver no parlamento. “É um erro estar a falar de impostos ou de outras medidas nesta altura”, considera a mesma fonte.
Quase à mesma hora a que Mário Centeno falava na comissão de Finanças do parlamento sobre a subida dos impostos indiretos, António Costa fazia declarações aos jornalistas para desfazer outra gafe do ministro.
A resposta ambígua de Centeno à CNBC sobre a eventualidade de um novo programa de ajuda externa ao país irritou Costa e deu ao PSD margem para sublinhar a mensagem do “projeto falhado” do governo para a economia.
DIABO E POKÉMONS Ontem, o presidente do PS, Carlos César, já tinha vindo tentar pôr cobro à especulação sobre um novo resgate. Mas o tema – apesar do relatório da Moody’s que afastava o risco de um resgate iminente – continuou na agenda e obrigou o próprio António Costa a vir explicar que essa sombra está longe do horizonte do executivo. “Não tem cabimento falar em qualquer tipo de resgate”, assegurou Costa, recordando que o governo está a conseguir cumprir as metas acordadas com a União Europeia, de acordo com os dados da execução orçamental que são conhecidos.
Um dia depois de os sociais-democratas tentarem passar a ideia de que a política económica do governo está a deixar o país numa situação próxima da que se viveu em 2011, o primeiro-
-ministro usou até a ironia para matar o assunto do resgate.
“Quem anda à procura de querer encontrar o Diabo, mais vale dedicar-se à caça de Pokémons”, ironizou, numa alusão a uma frase que Pedro Passos Coelho terá dito numa reunião do grupo parlamentar do PSD antes das férias de verão, altura em que avisou que era melhor os parlamentares aproveitarem o descanso porque “em setembro vai ser o diabo”.
UM HISTORIAL DE GAFES No núcleo duro de António Costa há mesmo quem já ache que é preciso atenção máxima a tudo o que Mário Centeno diz em público. “Quando ele fala, já sabemos que alguém tem de vir explicar-se depois”, comenta uma fonte próxima de António Costa, brincando com a situação. “Felizmente, nos próximos dias não está prevista nenhuma intervenção.”
O historial de gafes de Mário Centeno é longo e uma das que mais polémica causaram foi em torno da aplicação do horário das 35 horas na função pública, quando Costa teve de vir corrigir Centeno depois de este afirmar que a entrada em vigor da medida prometida dependeria da análise financeira aos seus custos.
Em junho, uma entrevista ao “Público” na qual o ministro reconhecia a necessidade de rever em baixa as previsões do crescimento económico obrigou também o primeiro-ministro a corrigir publicamente o ministro das Finanças. “Este governo está preparado para todas as piores previsões porque todas as semanas há uma previsão de uma desgraça na semana a seguir. Até agora, já passámos seis meses e essas desgraças ou não se confirmaram ou, tendo ocorrido, foram devidamente ultrapassadas (…) Este governo nasceu para enfrentar e resolver desgraças. É isso que temos estado a fazer e vamos continuar a fazer”, comentava António Costa na altura.
Desde aí, e passando pelas declarações contraditórias do ministro das Finanças sobre o dossiê da capitalização da Caixa Geral de Depósitos, Mário Centeno foi acumulando gafes. E o governo e o PS foram-se habituando a viver com elas. Mas isso não impede que, a cada nova falha de comunicação, a irritação não aumente entre os socialistas.