Uma fuga de informação lançou a confusão na geringonça e, mais uma vez, ficou visível o desacerto entre BE e PCP. Os bloquistas dão como fechado o acordo com o governo para a criação de um imposto sobre o património imobiliário global acima dos 500 mil euros. Os comunistas garantem que ainda estão a negociar esta medida com o executivo. Os socialistas frisam o facto de o valor não estar fechado.
Pelo meio fica mais um episódio da tensão entre bloquistas e comunistas, com o BE a defender que fechou o acordo num grupo de trabalho no qual o PCP não quer estar e o PCP a garantir que as negociações que decorrem estão longe de ser suficientes para anunciar a medida.
A notícia de um novo imposto sobre o património imobiliário foi dada ontem pelo “Jornal de Negócios” e, poucas horas depois de a edição estar nas bancas, o BE anunciava já uma conferência de imprensa para dar mais pormenores sobre o acordo com o governo, no âmbito de um dos grupos de trabalho previstos no texto conjunto assinado entre Catarina Martins e António Costa.
No PS houve quem não gostasse de ir a reboque do anúncio bloquista. “Isto só cria ruído, porque há acordo sobre a medida, mas os valores ainda estão em aberto”, apontava um deputado socialista que teria preferido outro timing para a notícia.
Mas o mal-estar maior aconteceu no PCP. Os comunistas não gostaram da forma como o BE anunciou uma medida que ainda está em negociação com o PCP.
Compensar IRS No PCP recordava-se ontem uma frase de António Costa citada há semanas pelo “Público”: “Com o BE temos grupos de trabalho; com o PCP, trabalho de grupo.” A citação serve para deixar claro que não é por não fazer parte dos seis grupos de trabalho constituídos pelos bloquistas que os comunistas deixam de negociar com o governo.
Pelo contrário. O deputado do PCP Paulo Sá garante ao i que as conversas sobre a melhor forma de compensar a reposição dos rendimentos cortados pela direita “duram desde antes das férias”. Nessas reuniões com o governo, os comunistas têm–se preocupado em encontrar formas de compensar o aumento da despesa.
“Só a subida do IRS decidida pelo governo PSD/CDS levou a um aumento da receita de 3,226 milhões de euros por ano. É um aumento brutal de impostos e tem de se encontrar uma forma de compensar a sua devolução, porque o Estado continua a ter despesa”, aponta Paulo Sá, que assegura estar por definir o montante a partir do qual será tributado o património global imóvel. “Não há um acordo. Há uma ideia que está a ser trabalhada em reuniões onde se olha para a questão fiscal como um todo”, frisa o deputado do PCP.
A versão bate certo com a do deputado do PS Eurico Brilhante Dias, que assegura que “há um entendimento de princípio, mas falta acertar os moldes” – isto é, não está fechado o valor acima do qual haverá tributação especial nem a taxa que será aplicada.
Apesar disso, o socialista João Galamba recorda que esta tributação “está prevista no programa macroeconómico do PS, no programa eleitoral e no programa do governo”, pelo que, se alguma coisa está em aberto, são os detalhes e não os princípios.
Quem vai pagar mais Mariana Mortágua, a quem ontem coube o anúncio da medida, acredita, porém, que o valor andará sempre “algures entre os 500 mil e um milhão de euros de valor global tributável”.
O montante é definido para que seja mais tributado quem mais tem. “Isto é um imposto sobre grandes fortunas patrimoniais. Nunca é um imposto sobre a propriedade de família da classe média nem da casa de férias”, defendeu ontem em declarações aos jornalistas, explicando que “será uma taxa crescente e aplicada apenas no remanescente deste valor mínimo de isenção”.
Trocado por miúdos, isto significa que o imposto será aplicado ao valor patrimonial total dos imóveis em nome de um mesmo contribuinte, sendo essa taxa aplicada à diferença entre o limite mínimo estabelecido – algures entre os 500 mil e um milhão de euros – e o património imobiliário total desse contribuinte.
Difícil será saber quanto poderá ser a receita deste imposto, que surge para substituir o imposto de selo que se aplica individualmente a cada imóvel acima de um milhão de euros. No Programa de Estabilidade feito por Mário Centeno previa-se um aumento da receita de cerca de 200 milhões de euros através da introdução de um IMI progressivo.
Mas esta medida – embora progressiva também – deve aplicar–se a um número relativamente reduzido de imóveis. Isto porque o que conta é o valor patrimonial registado, que é quase sempre muito inferior ao valor comercial dos imóveis, e porque de fora desta tributação especial ficarão as casas de morada de família e os imóveis com fins industriais.
Direita critica Em todos os casos, PS e BE querem que fique claro que este não é um imposto para atingir a classe média, como atacou a oposição. Mas o argumento não convence PSD e CDS. O social-democrata Leitão Amaro defendeu ontem no parlamento que o governo está a ser obrigado a aumentar os impostos porque “escolheu aumentar a despesa do Estado” e porque “a economia parou e uma economia parada não gera impostos”. E Assunção Cristas diz que continua o “grande assalto fiscal” aos portugueses e que pode estar em causa uma dupla tributação a património que já é tributado através do IMI.