Mariana Mortágua está debaixo de fogo. Um apelo ao PS para que perca “a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro” foi suficiente para a colocar no centro de uma polémica acesa. A direita acusa-a de perseguir quem poupa e de estar a “syrizar” (sic) o discurso político do governo. Mortágua defende-se explicando o que quis dizer, Catarina Martins fala em “falso debate” e até a direção do PS veio em defesa da bloquista. Mas do lado dos que a criticam também há socialistas.
“Aos que se têm entretido a distorcer as minhas palavras porque ter discussões sérias dá muito trabalho: taxar riqueza acumulada não é taxar poupança”, escrevia ontem à tarde Mariana Mortágua no Twitter, depois de uma avalanche de críticas em declarações políticas e nas redes sociais. Mortágua veio explicar que “taxar riqueza acumulada é: taxar a riqueza que permite que o número de milionários aumente e, com isso, acabar com a sobretaxa de IRS sobre a classe média”. E até usou como exemplo a diferença que separa um banqueiro de um bancário para ilustrar a sua posição. “Poupança ou riqueza acumulada? Ricardo Salgado, riqueza acumulada. Trabalhador de banco, poupança. Diferença? O segundo já paga muitos impostos, e o primeiro não”, escreveu a deputada do BE.
O ataque da direita A explicação não foi, contudo, suficiente para acalmar as hostes do PSD e do CDS, que veem no discurso de Mortágua um apelo da esquerda radical à perseguição da classe média. “Espero que o PS pondere seriamente relativamente à estratégia que quer prosseguir. Os portugueses não merecem ser colocados perante uma circunstância como esta, que é ter uma estratégia de desenvolvimento económico e de responsabilidade orçamental que é, na prática, anacrónica, que nos faz recuar à causa da crise”, comentou o vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva, defendendo que o que é necessário é reformar e ultrapassar obstáculos estruturais, e não “syrizar” a política do governo.
No CDS, a defesa de Mariana Mortágua também não convenceu. “O PS vai perder a vergonha, como pede o Bloco? Vai continuar a dar protagonismo ao Bloco em matérias fiscais? Ou vai ficar embaraçado?”, questionou Adolfo Mesquita Nunes, considerando que a verdadeira intenção da bloquista é a de taxar os aforradores. “O Bloco de Esquerda pede ao PS para que perca a vergonha de ir tributar aqueles que, pagos os seus impostos, cumpridas as suas obrigações, conseguem, ainda assim, pôr algum de lado para comprar uma casa, acautelar a reforma, estudar, deixar aos filhos, investir ou criar postos de trabalho”, atacou o dirigente centrista.
PS dividido Curiosamente, as críticas à intervenção de Mortágua na rentrée socialista em Coimbra não são exclusivo de PSD e CDS. O socialista Sérgio Sousa Pinto usou o Facebook para criticar a bloquista. Para o crítico da solução de governação à esquerda, o discurso de Mariana foi a “lição ministrada do alto do legado histórico do trotskismo ou de uma qualquer seita comunista heterodoxa” que tenta afastar o PS do percurso democrático que tem vindo a fazer. O post teve likes de socialistas como Jamila Madeira, João Serrano e João Paulo Pedrosa.
Mas se Sousa Pinto atacou a deputada do BE, João Galamba e Porfírio Silva usaram também o Facebook para a defender.
“‘Perder o medo’ de taxar esse património e esse rendimento pode ser muita coisa, mas não é seguramente ir às ‘poupanças dos portugueses’, nem um ‘saque fiscal’, nem ‘atacar a classe média’, nem tentar ‘acabar com a livre iniciativa e a propriedade privada’”, escreveu Galamba, que vê no ruído causado pelas palavras da bloquista uma forma de lançar a confusão.
“Eu já percebi que há quem queira transformar um imposto justo e que não abrange a esmagadora maioria dos portugueses num confisco que abrange a maioria dos portugueses. Por muito que inventem e distorçam, não transformarão um contributo justo numa coisa que ele não é”, frisou o porta-voz socialista.
Porfírio Silva também atacou “o burburinho causado por Mariana Mortágua e a indigência de algum pseudodebate politico”, numa argumentação próxima da que foi usada pela líder do BE, Catarina Martins – o “falso debate” lançado em torno da ideia de que o BE defenderia um aumento de impostos sobre a poupança da classe média. Catarina Martins veio, de resto, assegurar que a sobretaxa que defende protege “os que não são milionários”.