Mariana Mortágua em pleno Parlamento durante o PREC (Processo Revolucionário Em Curso, em 1975) é impossível, bem sabemos – apesar daquilo que aparece na fotografia que ilustra este artigo –, mas vários deputados da direita defendem que são novamente estes tempos revolucionários que estamos a viver graças ao Bloco de Esquerda. Em particular depois das declarações de Mariana Mortágua, na Conferência Socialista 2016, onde defendeu que «só a esquerda radical pode salvar o capitalismo» e que «é preciso perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular».
«O discurso de Mariana Mortágua numa iniciativa do PS tem um aspeto muito grave, o de tributar as poupanças. Mas há também um tom de ultimato, em que se diz que o PS tem de deixar o capitalismo. O BE quer fazer uma OPA ao PS», disse Paulo Rangel ao SOL, tendo sido o primeiro a usar esta sigla na sua crónica no jornal Público.
O eurodeputado do PSD caracteriza o BE e o PCP como «forças populistas de esquerda» e explica que o facto de o PS estar «sequestrado» por estas forças é prejudicial para a democracia portuguesa e para a economia. «O BE e o PCP estão com uma agenda de extrema-esquerda e estão a conseguir impô-la ao PS».
Rangel considera ainda que se está a assistir a uma destruição da riqueza e da «confiança no Estado», algo essencial para os investidores. «Eu compreendo as ansiedades com as injustiças sociais – e apoio –, mas não podemos distribuir a riqueza que não temos. Para fazer justiça social, é preciso incentivar a criação de riqueza. Se assustamos as pessoas que investem em Portugal, não vamos criar riqueza. Talvez aumentemos a igualdade, mas estamos a nivelar por baixo e não é isso que se pretende», explicou o social-democrata.
Uma ideia também defendida pelo líder parlamentar do PSD. «Quando precisamos de um país em que se estimule a criação de riqueza, o que vemos é um Governo e uma maioria que querem destruir a riqueza que é criada», afirmou ao SOL.
Luís Montenegro utilizou também a ideia de um regresso ao PREC. Diz ainda que o BE, com o apoio do primeiro-ministro e do PS, está a impor «a presença do Estado de uma forma quase asfixiante em todos os setores de atividade» e defende que estamos a assistir a um Governo «socialmente muito mais injusto», especialmente com a classe média. «Há um processo de radicalização que está muito inspirado nas teses marxistas, trotskistas, na base das quais há uma desconfiança na economia aberta, na capacidade de empreender e na capacidade de cada um poder dar um destino àquilo que foi a sua criação de riqueza», disse ainda.
Nuno Melo, por sua vez, apesar de não acreditar que estejamos a viver um novo PREC, também realça a «agenda doutrinária, estatizante e de inspiração marxista» do Bloco e realça que esta que está a ter «eficácia legislativa». «Parte da agenda deste Governo é do BE e do PCP. Nessa medida, os dois partidos, ascendendo ao poder, multiplicaram o potencial que tiveram no PREC de destruição da economia nacional».
Marques Mendes, porém, não demonstra uma visão tão extremada da situação. O comentador considera a ideia de estarmos a viver um PREC um «exagero» e um «slogan para chamar a atenção», mas admite que «estamos a viver uma situação atípica». «Não é normal ter um partido que não está no governo anunciar um imposto; ter um partido que, não estando no governo, parece que está a colonizá-lo; e ainda ter um governo, que representa o maior dos partidos da coligação, a andar a reboque dos mais pequenos», adiantou, mostrando-se confiante num regresso à normalidade.
José Adelino Maltez é que rejeita a ideia de um novo PREC, considerando a expressão «propagandista». «Nós temos um governo PS. O PS é o mais central de todos os partidos porque já governou com o CDS, com o PSD e agora nem sequer é com o PCP ou com o BE, é com um acordo parlamentar», afirmou o professor universitário ao SOL, acrescentando que o PS e o BE são partidos diferentes.
O politólogo classificou mesmo estes últimos episódios como «leves escorregadelas no percurso que não têm muita importância». Ainda assim, são um «ensaio para aquilo que vai ser essencial que é a aprovação do Orçamento do Estado» que, realça, «todos percebem que vai ser aprovado» pela maioria de esquerda.