Sérgio Sousa Pinto em busca do tempo perdido

Anglófilo, socialista e libertário. Se Mário Soares foi ‘pai da democracia portuguesa’, Sérgio Sousa Pinto é um dos filhos. A liberdade é a musa; a política a arte. 

O deputado distancia-se do sofá e coloca aos mãos nos joelhos. «O Mário Soares conta esta história. Estavam a reduzir as importações porque não havia divisas, Basílio Horta era ministro do Comércio e a dra. Maria de Jesus Barroso tinha ido à Baixa comprar uma gravata como prenda de anos para o marido. Quando lhe disseram que não havia, ela contou a Soares que ligou a Basílio.

– Ó Basílio, então o que se passa, também deixaram de importar gravatas?

– Senhor primeiro-ministro, tivemos que interromper essas importações por causa das divisas, senhor primeiro-ministro.

– Ó Basílio, você quer transformar isto numa Polónia?!»

Rimo-mos, como se estivéssemos em casa. Não creio que Sérgio Sousa Pinto se sinta mais em casa noutro sítio que não no parlamento. Respira política; discute ideias. Soares é uma referência, o seu grande político português. No último congresso do PS, declarou à porta: «Eu, quando me levanto, é para defender o partido de Mário Soares».

Pergunto-lhe sobre a sua defesa do arco da governabilidade que sustentava a tradição democrática portuguesa até outubro do ano passado. «Durante vinte anos olhavam para mim como à esquerda do PS, agora chamam-me reacionário. Claro que gosto do passado, nasci nele», sorri. A natureza da sua ação política não é nostálgica, só se recusa ao desprezo pela memória. É reativo no sentido em que reage de acordo com a circunstância. Essa poderá ser uma herança de Churchill, que mudou de partido por questões de convicção. «A questão mais interessante na política contemporânea é perguntar se ainda há lugar para a grandeza. Seria um Churchill possível hoje?»; a pergunta fica no ar. «Se a esquerda quer transformar a realidade tem que lidar com a realidade, não refugiar-se na fantasia».

Winston Churchill fez o chamado cross the floor, atravessando a bancada conservadora para a liberal devido à sua oposição a restrições de comércio. A prática é originária dos parlamentos anglo-saxónicos que dividem a Câmara ao meio, entre governo e oposição. Sousa Pinto não mudou de partido, mas, tal como o político britânico, levantou-se e deixou a restante assembleia a olhar.

A imprensa tem retratado o deputado como isolado ou sozinho no Partido Socialista. «Há uma tendência para simplificar as coisas e rotular as pessoas. Eu só digo aquilo que penso; é o meu dever e sem liberdade nada vale a pena».

Acha que vão continuar a deixá-lo fazer isso? Desta vez é a minha pergunta que fica no ar.

A elevação da liberdade no seu discurso pode ganhar traços libertários. «Tenho uma aversão ao Estado sem respeito pelo direito do indivíduo a não ser incomodado». Esta aversão não soa muito compatível com a agenda do Bloco de Esquerda ou do PCP. «Os partidos não podem ser todos iguais, mas as contradições estão a vir ao de cima. As diferenças não são de grau; são de natureza».

O soarismo que defende tem a ver com a procura de uma sociedade decente sem nunca esquecer a tal liberdade. E a União Europeia permite essa sociedade decente? «Talvez nos tenhamos precipitado com a entrada no euro, mas é fácil fazer juízos sobre coisas que já aconteceram». Mesmo que a política monetária seja «contraditória», não há solução para Portugal fora da Europa.

Sousa Pinto assume-se contra qualquer referendo, em especial devido às suas semelhanças com o sistema plebiscitário. «Canaliza pulsões irracionais, olhe para o Brexit». A preferência por uma democracia representativa, com «mediadores», é evidente: o deputado é livre até de quem votou nele. «A democracia não pode ser feita com pelotões», vaticina. «É feita de indivíduos com histórias diferentes».

A sua valorização do indivíduo não entra em choque com a ideia dos partidos como instituição. «Muita gente diz mal dos partidos, da Assembleia, dos deputados e depois chamam-se democratas. Há uma frase lapidar de Mário Soares: ‘É difícil fazer uma democracia num país onde há tão poucos democratas’».

Sousa Pinto foge a um estereótipo. É liberal contra os excessos do Estado, socialista contra os excessos da economia, conservador contra o excesso de populistas. «Nem tudo o que é novo tem que ser bom», esclarece. «É preciso paciência para compreender como se revolvem problemas antes de arranjarmos soluções que criem mais problemas».

A terminar, conta uma história sobre o Churchill dos tempos finais, veterano e depois da guerra. «Viu um jovem deputado chegar no primeiro dia e perguntou-lhe:

–  És de que bancada, filho?

– Sou liberal, sir.

– Também eu. Sempre fui!».

A chalaça surte efeito porque Churchill terminou a carreira parlamentar de volta aos conservadores, fiel aos princípios de remar contra a corrente quando necessário.