28 de setembro de 1989. Nesse dia, o irrequieto Marcelo Rebelo de Sousa, figura iconoclasta do PSD, seu fundador, ex-dirigente e ex-ministro, decide passar o dia a conduzir um táxi “para perceber os problemas do trânsito”.
Marcelo era candidato do PSD–CDS à Câmara Municipal de Lisboa, mas a sua popularidade há 27 anos estava longe de ser o que é hoje. Ia confrontar-se com uma coligação PS-PCP liderada por Jorge Sampaio, secretário-geral do PS e muito mais conhecido no país. A luta prometia ser dura: a força do PCP em Lisboa era grande. Depois de anos de coligação de direita liderada pelo falecido presidente da Câmara Nuno Krus Abecasis, uma aliança de esquerda era um perigo para as ambições do PSD.
Marcelo tinha um problema inverso ao que teve agora, na recente campanha eleitoral para as presidenciais: precisava de fazer uma campanha-sensação que lhe permitisse tornar-se rapidamente muito conhecido. Escreve Vítor Matos, biógrafo de Marcelo: “A maior desvantagem do candidato da direita em relação a Jorge Sampaio é a notoriedade.” Na biografia, Marcelo diz: “As primeiras sondagens sobre a minha notoriedade davam-me cerca de 25% e Jorge Sampaio tinha uns 80% porque era líder da oposição.”
Todas as ideias malucas passam pela cabeça dos participantes nos brainstormings da campanha. “Chega a ser sugerido que ele salte do Cristo Rei numa asa-delta”, escreve Matos.
Vestir o fato de taxista foi uma das ideias que venceram; a outra foi o mergulho no Tejo. Mas no dia 28 de setembro de 1989, ao volante de um táxi, “para se aperceber dos problemas reais do trânsito”, Marcelo haveria de “ganhar seis contos cobrados a passageiros surpreendidos”.
Escreve Vítor Matos sobre Marcelo taxista: “Apanhou desde clientes banais a uma mulher que ia ter um bebé na Cruz Vermelha, ou um toxicodependente que entrou na Meia Laranja e que vinha do Casal Ventoso na posse de doses ilegais de droga para entregar no Largo de São Paulo, ao Cais do Sodré.”
“Homem do lixo”
Não teve licença para conduzir um autocarro da Carris, como gostaria, mas além do mergulho do Tejo andou a fazer de “homem do lixo” com os cantoneiros de Lisboa. “Para mostrar que era capaz de sujar as suas mãos de professor doutor, não lhe mete nojo lidar com o desperdício da atividade humana, o lixo. Apesar de, muitos anos depois, levar lencinhos para a rádio e limpar os microfones dos estúdios com medo dos germes antes de dar entrevistas ou fazer comentários, esqueceu a hipocondria por uma vez e passou uma noite com os homens da recolha, de luvas de borracha calçadas, a carregar contentores malcheirosos para o camião”, escreve Vítor Matos.
“É um milagre ver como as camionetas do lixo, com anos e anos, conseguem não fazer parte do lixo da cidade”, diz Marcelo.