Não é desta que a gerigonça parte

Governo, BE e PCP já só tentam chegar a um acordo que permita a aprovação na globalidade. Temas complicados podem ser acertados depois. Não está fácil, mas ninguém quer acabar com a geringonça

Quando o Conselho de Ministros se reunir hoje, às 9h30, a proposta de Orçamento do Estado para 2017 pode estar ainda por fechar. Apesar da maratona de reuniões entre governo, BE e PCP, há questões que só deverão ficar completamente encerradas durante a discussão do documento na especialidade, que se fará ao longo de novembro. Mas há um problema: antes, é preciso que o Orçamento seja aprovado na generalidade. E para isso há que encontrar entendimentos mínimos em dois pontos sensíveis: o aumento das pensões e a eliminação da sobretaxa de IRS.

Entre a madrugada de ontem e a reunião do Conselho de Ministros de hoje, o governo tem feito tudo para conseguir um acordo. “Sei por experiência própria que até ao último minuto há ajustamentos a fazer”, dizia ontem o Presidente da República, depois de se saber que as negociações à esquerda em torno do Orçamento do Estado continuavam num impasse. E a expressão “até ao último minuto” pode, neste caso, ser muito literal.

Marcelo disse, contudo, mais. Disse que “ainda temos até dezembro” para fechar o Orçamento, numa alusão ao tempo da discussão na especialidade.

Adiar para a especialidade
De resto, foi o PCP quem primeiro abriu a porta de forma pública a essa possibilidade. “Da nossa parte há inteira disponibilidade. Não há limitação nenhuma a que as soluções sejam encontradas agora ou na especialidade”, afirmou o líder parlamentar comunista, João Oliveira, à saída da reunião com Mário Centeno.

Minutos mais tarde, o líder parlamentar bloquista dizia o mesmo. “Na especialidade, cá estaremos”, anunciou Pedro Filipe Soares.

“Continuaremos a trabalhar na especialidade e, depois, na especialidade”, respondia o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, sabendo que, antes de chegar a essa fase, o documento terá de ser aprovado na globalidade.

A dois dias da entrega do Orçamento no parlamento, BE e PCP não se quiseram, porém, comprometer com a aprovação do documento na votação na globalidade marcada para 4 de novembro.

“O PCP não passa cheques em branco”, afirmou João Oliveira, enquanto Pedro Filipe Soares disse não poder comprometer–se quanto a uma proposta que ainda não está fechada e em relação à qual se desconhece a versão final.

O grande problema continua a ser o de encontrar forma de cobrir o aumento de despesa necessário para aumentar os pensionistas e, ao mesmo tempo, eliminar para todos a sobretaxa já a 1 de janeiro de 2017.

O governo tem resistido às propostas avançadas pelo BE e pelo PCP. António Costa não quer comprar uma guerra com Marcelo e dar a ideia de que está a afastar investimento desenhando um novo imposto sobre património imobiliário global nos termos exatos em que os bloquistas o querem. E também não aceita a ideia dos comunistas de um novo imposto sobre património mobiliário.

Contas feitas pela própria Catarina Martins, são “200 milhões” que separam o BE do governo – o valor entre a mera atualização das pensões pela inflação a que a lei obriga e a proposta de dar mais dez euros a todos os pensionistas que recebem até 840 euros.

PSD não dá a mão ao PS 
Mas há mais: BE e PCP não abrem mão de acabar com a sobretaxa para todos em 2017. Na verdade, para que a eliminação seja progressiva será preciso que o PS apresente uma proposta de lei para mudar o que foi aprovado pela maioria de esquerda este ano. Mas não é só: precisa de uma maioria para mudar essa lei.

Uma fonte da direção parlamentar do PSD assegura ao i que não há, do lado dos sociais–democratas, vontade de dar a mão ao PS para que o fim da sobretaxa em 2017 seja faseado. “Não há razão nenhuma para o fazermos. O problema é do PS”, diz a mesma fonte.

No BE, recorda-se que a eliminação total em 2017 acabou por não ser incluída no compromisso político assinado com o governo, pelo que “o PS tem margem” para encontrar uma solução de faseamento sem romper com os bloquistas.

De resto, e ao contrário do PCP, que foi taxativo nesta matéria, o PEV admitiu que o fim da sobretaxa de IRS seja progressivo.

Independentemente das dificuldades na negociação, fica claro que nem BE nem PCP nem PEV têm vontade de romper o acordo que sustenta o governo. Todos sabem que fazê-lo pode abrir caminho ao regresso das políticas da direita e nenhum quer ficar com o ónus de o fazer.

Por isso, ontem, Pedro Nuno Santos lembrou o que está em causa. “Nós estamos a trabalhar para conseguir chegar a acordo. Com a convicção plena de que seria muito mau para o país e para os portugueses nós falharmos. Nós temos essa consciência”, disse, para recordar aos parceiros da esquerda o preço de não haver entendimento.